Tribunal Arbitral do Desporto ou novo Conselho de Justiça?

1. Este ano vai nascer um novo actor principal no desporto nacional: o Tribunal Arbitral do Desporto. A Assembleia da República, no passado dia 21, aprovou, na generalidade, sem qualquer voto contra, o projecto de lei apresentado pelo PSD e pelo CDS/PP.

Parecem ultrapassados os obstáculos que o Tribunal Constitucional colocou às duas anteriores versões e, após duas complicadas cesarianas, alguns verão – não é meu caso – efectivar-se a panaceia da resolução dos litígios desportivos em Portugal.

2. Embora não possa afirmar, em absoluto, que o que digo e escrevo como sempre me disse um Conselheiro jubilado, se aprazível, não merece muita atenção por parte de alguns protagonistas desportivos (poderes públicos e privados do desporto) –, a verdade é que tal não impede – nunca impediu – de tocar as teclas que entendo, em consciência, tocar. A música poderá não ser agradável a alguns, mas é a que sei tocar. Assim o determina a liberdade de criação cultural.

3. Ora este take 3 do Tribunal Arbitral do Desporto apresenta, desde logo, uma significativa novidade e que, não deixará de, a ser aprovado nesses termos, gerar efeitos relevantes no sistema de “justiça desportiva” hoje vigente. Vejamos, mais de espaço, o que se encontra em causa.

4. Num registo próprio das federações desportivas, nacionais e internacionais, sempre estas contaram com duas instâncias internas de resolução de conflitos, em particular no domínio disciplinar: o Conselho de Disciplina e o Conselho de Justiça.

O Conselho de Disciplina decide em primeira instância e, depois, cabe recurso para o Conselho de Justiça. Com estas ou outras denominações, o desporto nacional e internacional vive, há décadas, com duas instâncias em matéria disciplinar.

5. A lei portuguesa recolheu esta solução como adequada, desde 1993 até ao presente, e mesmo na Lei do TAD (em suspenso) ela é escrupulosamente consagrada.

Segue-se, afirmam a lei e os estatutos das federações desportivas nacionais, que o acesso aos tribunais administrativos só se torna possível após esgotadas estas duas vias internas, ou seja, o recurso só pode ter lugar a partir da decisão do Conselho de Justiça.

A lei do TAD (em suspenso) segue o mesmo trilho: o acesso ao TAD só é possível após a última decisão federativa, por regra, a do Conselho de Justiça. O mesmo ocorre quando nos movemos em ambiente estrangeiro e, muito particularmente, internacional. O acesso, em via de recuso, ao Tribunal Arbitral de Lausana, só é possível após esgotados os recursos internos das diferentes federações desportivas internacionais. Frase fina: faz parte do ADN desportivo.

6. Este cenário vai mudar radicalmente a ser aprovada como está, a final, a iniciativa legislativa em apreço.

Com efeito, o acesso ao TAD passa a não obrigar à exaustão dos meios internos. Isto é, das decisões do Conselho de Disciplina – de todas as federações desportivas – caberá recurso directo para o Tribunal Arbitral do Desporto, eliminando-se do sistema de resolução dos conflitos desportivos o Conselho de Justiça.

7. Já manifestámos, publicamente, a nossa discordância com este caminho. Para além do desprezo a que se vota o ADN desportivo, é o próprio futuro do TAD que pode estar em causa. Com efeito, a ser assim, corre-se um sério risco desta nova instância se ver, a breve trecho, plena de processos para decidir, gerando atrasos nada compatíveis com a celeridade que é fundamento da sua criação.

8. Portugal vive a síndroma do Centro Comercial. Tudo tem de ser inédito, o maior da Europa ou do Mundo. Permanecer no caminho de há muito, mesmo que não traga mal de maior, é que não pode ser. Há que criar “novos paradigmas” (adoro), inovar e ser único. Depois, por via de regra, a coisa acaba por correr mal. Mas isso não interessa. Pronto, está bem, sou um velho do Restelo.

josemeirim@gmail.com

Sugerir correcção
Comentar