Tribunal Arbitral do Desporto: entidade jurisdicional?

Permita-me o leitor que de início adiante algo que já afirmei noutro local e que se prende com a “chegada” do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), agendada para o próximo dia 30. Dir-se-ia que ninguém o verdadeiramente "o sente", tal a apatia e mesmo silêncio que se recolhe da vivência desportiva, desde logo das federações desportivas e liga profissional.

Longe vai o tempo em que um entusiasmo – por vezes cego – se manifestava ruidosamente acerca da constituição do TAD. Vinha aí o fim da “injustiça desportiva”, o remédio final, a vacina eficaz, tudo para a resolução dos litígios na área do desporto. Sempre fomos lutando – na nossa vertente de velho do Restelo – contra esse estado de espírito. Mas o Comité Olímpico de Portugal, os Governos e a Assembleia da República – verdadeiros responsáveis parentais do TAD – não viram os sinais. Viram alguns deles, no entanto, o Presidente da República e o Tribunal Constitucional.

Agora, não sinto esse mesmo ruidoso louvor. Talvez tivesse sido adequado, para retomar folgo e entusiasmo, na lógica dos que deram à luz o TAD, ter disso respeitada a vacatio legis determinada por lei para a entrada em vigor da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto (LTAD). Tudo bem. Avancemos e logo se verá.

O TAD é apresentado pelo legislador como uma entidade jurisdicional independente. Será mesmo assim, ou este conceito é contrariado com o recorte que alcançamos a partir do articulado da sua Lei? Por ora, não enfrentamos, neste espaço, a afirmação de independência. Contudo, dediquemos algum espaço ao segmento “entidade jurisdicional”, neste âmbito há algo que verdadeiramente nos perturba: como se pode apresentar o TAD com essa qualificação, quando a lei lhe atribui competência consultiva (e ainda por cima nos termos em que a atribui)?

Dispõe o artigo 33.º sobre os serviços de consulta do TAD. Em breve o TAD “disponibiliza um serviço” responsável pela emissão de pareceres jurídicos não vinculativos, respeitantes a questões jurídicas relacionadas com o desporto, a requerimento de um especial grupo de “clientes”, desde logo de muitos daqueles cujos actos vão ser impugnados necessariamente junto do TAD.

Quem irá agir como “consultores jurídicos” serão árbitros da lista do TAD. Isto é, para já, um 2 em 1. Os árbitros com poder decisório na arbitragem, são depois o universo de recrutamento dos “consultores jurídicos “ do TAD.

Antevêem-se com facilidade alguns absurdos. Um exemplo. Em dado momento o IDPJ, uma federação desportiva ou a LPFP, solicita um parecer ao TAD sobre uma concreta questão. São nomeados um ou três árbitros (dos 40 da Lista do TAD) para emitir esse parecer que não é vinculativo. Mais tarde, porém, a vida real faz chegar a uma arbitragem do TAD, agora para decidir em processo, a mesma questão. E as partes escolhem os seus árbitros. Como ficam esses árbitros perante um parecer anterior de outros colegas que já “disponibilizaram” a sua melhor interpretação? Dito por outras palavras, onde começa a entidade jurisdicional e acaba o “consultor jurídico” e vice-versa?

Mas “eles” queriam assim, não queriam? Faça-se a valer, então a vontade paternal, em nítido prejuízo do “interesse da criança /TAD”. josemeirim@gmail.com

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