Trail running: a natureza como aliada e como obstáculo

A ATRP associou-se recentemente à Federação Portuguesa de Atletismo. Com isso, conta dar um impulso extra a uma modalidade que tem crescido de forma significativa.

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A natureza como pano de fundo. O som do rio, dos pássaros e das passadas é o que ouvem quando correm. Não, não é apenas correr. É mais do que isso. “O trail running, para mim, é um estado de espírito. Tenho dificuldade em explicar isto a muitas pessoas. É quase uma simbiose entre nós e a natureza, como se me juntasse a ela. Para mim faz todo o sentido”, descreve ao PÚBLICO Cristina Ponte, praticante de há longa data.

Em traços gerais, o trail running, uma variante mais ousada do atletismo, baseia-se em corridas pedestres, com um mínimo de percurso pavimentado, que não deverá exceder 10% do trajecto total. É uma modalidade praticada nos mais diversos ambientes (como a montanha, a alta montanha e a serra) e tipos de terreno (caminho florestal, estradão e trilho), idealmente em semi ou auto-suficiência, a realizar de dia ou durante a noite, em percurso devidamente balizado. E tem atraído cada vez mais praticantes.

Foi esta tendência que levou a que, no dia 3 de Maio, a Associação de Trail Running de Portugal (ATRP) tivesse sido aceite como associado extraordinário da Federação Portuguesa de Atletismo (FPA). Um passo que, no entender do presidente da entidade, José Santos, “vai dar capacidade legal para que a ATRP tenha mais apoios e maior reconhecimento enquanto modalidade”. Luís Figueiredo, vice-presidente da FPA, aponta no mesmo sentido: “A implementação da modalidade na federação vai dar mais valor à associação como entidade e vai implementá-la como um princípio do atletismo, ou seja, como um desenvolvimento desta modalidade”.

Uma ideia que é partilhada por Cristina Ponte. “Sabemos que estamos em crise, e que dão prioridade a outras modalidades, mas, se temos os melhores atletas [de trail running] no mundo, necessitamos de apoios. E foi, de facto, extraordinário, termos entrado para uma federação centenária [FPA]”, assinala a atleta de 41 anos, acrescentando que “a federação vai ajudar a regulamentar a modalidade e a dar um maior apoio aos atletas.”

Homens em maioria
Actualmente, o trail running conta com uma maioria esmagadora de atletas do sexo masculino (85%) e tem assistido a um grande crescimento: a ATRP foi fundada em Novembro de 2012 e, no final de 2013, o número de associados era já de 900. Actualmente, conta com 1500 atletas, que representam mais de 120 associações em Portugal. Também o número de provas realizadas em território nacional tem aumentado: “Triplicou em apenas cinco anos, o que é muito recompensador”, explica José Santos.

O dirigente justifica este salto em frente com o facto de a modalidade “convidar em geral todas as pessoas a correrem em zonas às quais não teriam acesso de outra forma, e a ultrapassar os obstáculos que a natureza dá”. “É uma modalidade que junta a natureza com os associados da melhor forma”, complementa.

A ATRP nasceu da iniciativa de um grupo de atletas que tinha como paixão esta modalidade. Constituíram-se como uma associação sem fins lucrativos para promover e divulgar o trail running em Portugal e contam, desde o início, com a ajuda de organizações que investem bastante na associação e nas provas que são realizadas.

Existem dois circuitos de trail running: um circuito nacional de trail constituído por 10 provas até 42,195km e um circuito nacional de ultratrail formado por sete provas acima dos 42,195 km (disputa-se, de resto, um campeonato de Portugal de ultra trail). No primeiro caso, os atletas inscritos em cada prova ultrapassam, em média, os 2000.

Luís Mota e Cristina Ponte são dois participantes frequentes destes circuitos e dois dos 1500 associados da ATRP. Os dois atletas têm uma particularidade: vão participar e representar Portugal nos Campeonatos do Mundo de 2015, em França. Para ambos, o trail running tem como grande mais-valia, acima de tudo, “o contacto com a natureza”.

Quando perguntamos a Luís Mota, 44 anos e associado da ATRP desde 2013, qual a imagem que melhor descreve a modalidade, não há hesitações: “O espírito de equipa e o ambiente que envolvem os amantes [de trail] é transcendente”, aponta ao PÚBLICO o vencedor da quarta edição de ultra trail, em Sesimbra, destacando também a ética desportiva como um dos valores implícitos na modalidade.

Como se trata de uma modalidade recente em Portugal, o nível competitivo tem aumentado de ano para ano e, segundo Luís Mota, também tem contribuído para essa evolução o facto de as provas terem “um índice muito alto de competição entre os desportistas”. Embora ressalvando que a amizade e a solidariedade desportiva estão acima de tudo, o atleta explica que, “há uns anos”, eram os “veteranos” os mais competitivos em quase todas as provas, mas garante que, actualmente, também os mais jovens aderem a este estilo de corrida e tornam-se competitivos.

Trail dos 4 Caminhos: mais de 1100 inscritos para “atacar” Alfena
Uma das provas que integram o circuito nacional é o Trail dos 4 Caminhos, que terá lugar na serra de Alfena, concelho de Valongo, no dia 8 de Junho. Este evento conta para já com mais de 1.100 inscritos e terá início pelas 9h30m de domingo. O percurso prevê vários trilhos e caminhos, numa serra que se tem tornado um local privilegiado para a prática do trail running em Portugal.

Este evento será constituído por um trail longo (de 22km), um trail curto (10km) e uma caminhada, de 9km. Estas provas estão abertas a maiores de idade e os menores poderão participar na caminhada, desde que devidamente acompanhados por um adulto. Os participantes vão contar com vários desníveis, linhas de água e estradões durante todo o percurso: o trail longo terá uma elevação de cerca de 850m, enquanto o curto atinge os 350m.

Os vencedores da edição de 2013, Diogo Fernandes e Lucinda Sousa, já confirmaram a sua presença em Alfena.

Texto editado por Nuno Sousa

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