Tectos salariais: regras de organização de competição ou entraves à concorrência?

1. Escrevo a partir de Córdoba, o mesmo é dizer no universo do Direito do Desporto espanhol onde tudo sucede e nos surge, tantas vezes, como novidade. A verdade é que o grau de desenvolvimento do estudo e da prática do Direito do Desporto se encontra intimamente - dir-se-ia necessariamente – ligado ao nível do desporto espanhol. Tal é ainda mais patente quando ligam o Direito do Desporto – e porque não outros ramos do Direito? – aos interesses económicos que se encontram em presença.

Entre tantas decisões que abalam permanentemente o viver desportivo espanhol, em particular, no seu segmento profissional, uma das mais recentes coloca em crise as regras financeiras determinadas pela Liga espanhola para a participação nas competições de futebol.

2. No desporto federado participar nas suas competições implica que o praticante seja titular de uma licença. Num sistema jurídico como o nosso - e o espanhol -, essa licença é uma licença administrativa, em breve uma autorização. Preenchidos determinados requisitos, alguém fica habilitado a participar nas competições desportivas ou ser árbitro ou ainda a titular outras vestes de agente desportivo.

Mas a licença desportiva implica ainda a integração em determinada organização social, a federação desportiva, com tudo o que tal acarreta em termos de normas que deve respeitar, em particular no domínio disciplinar. Mas parece que, a final, tem outro valor: produz efeitos no mercado.

3. Pedro Sanchez Gil tem um contrato de trabalho firmado com o Getafe, para esta época desportiva, mas viu recusada a sua inscrição na Liga espanhola e, desse modo, encontra-se impedido de cumprir o contrato e o clube de o utilizar nas competições.

A Liga espanhola estabeleceu regras limitativas de massa salarial máxima dos clubes e, no caso, se emitisse a licença, o Getafe violaria o seu “tecto salarial”. O atleta perante tal recusa recorreu aos tribunais, não administrativos, mas comerciais e, aí veio a obter uma primeira resposta favorável.

4. Todo o processo – e a decisão negativa da Liga espanhola – foi escrutinado a partir, não das regras desportivas, não a partir das regras estatais sobre o desporto, mas antes tendo por base, no essencial, as normas da lei da concorrência espanhola.

Em suma, o tribunal de Madrid mirou o indeferimento da licença desportiva e, ainda mais, as regras financeiras estabelecidas aos clubes pela Liga, na perspectiva do mercado da actividade desportiva profissional na modalidade futebol.

5. Assim sendo, como se concebe a Liga? Como uma associação de sociedades anónimas desportiva e de clubes, reguladora desse mercado, e detendo uma posição de controlo. O mercado (económico) é constituído pelos interesses económicos no âmbito da oferta de espectáculos desportivos, dirigido à procura, pelos adeptos (consumidores). A posição de domínio, nesse mercado, pela Liga de futebol não contestada.

Ora um factor básico no mercado concorrencial – afirma o tribunal espanhol – é o acesso livre às fontes de financiamento por parte do empresário (clube). E mesmo o endividamento é, nesta leitura, perfeitamente legítimo.

6. A Liga espanhola defendeu-se, argumentando que a lei lhe concedia habilitação suficiente para emanar regras precisas sobre os orçamentos das sociedades desportivas e clubes que participam nas suas competições. Não foi essa a opinião do Tribunal.

Como sempre, mais tarde ou mais cedo, a questão acabará por chegar ao canto da Europa.

Torna-se necessário, pois, que atempadamente e com toda a serenidade se estudem em profundidade as nossas próprias normas.

7. Desde logo, as constantes do regime jurídico das federações desportivas, sobre as competências delegadas da Liga e ainda as constantes da Portaria n.º 50/2013, relativas às condições de participação nas competições desportivas profissionais. Mais vale, seguramente, prevenir que remediar perante um caso futuro. josemeirim@gmail.com

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