Sobreviver ao pavé

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Um ciclista no temido piso de paralelo do Paris-Roubaix François Lo Presti/AFP

A mitologia define inferno como o local onde os mortos vão penar para a eternidade pelas falhas cometidas em vida. É um lugar associado a dor, tortura e ao calor das chamas. Tudo isto é verdade relativamente ao “Inferno do Norte”. Bom, tudo menos as chamas. A dor e a tortura estão lá, para quem se atrever a enfrentar os 257 quilómetros da Paris-Roubaix – e particularmente os 51,1 quilómetros em pavé. Mas a paisagem não é árida e desolada, pelo contrário: as planícies anunciam a chegada da Primavera, sopra uma brisa amena e os pulmões enchem-se de ar limpo.

Eis-nos a horas da Paris-Roubaix, num sector lateral do Carrefour de l’Arbre – definido pelo diário desportivo francês L’Équipe como um dos mais irregulares e decisivos do percurso – em cima de uma bicicleta profissional. O nosso pedaço de inferno no “Inferno do Norte”.

Uma pedalada, duas pedaladas... O vento bate-nos na cara, mas estamos demasiado compenetrados em conservar o equilíbrio para desfrutar. Há que manter a bicicleta sobre uma linha imaginária no centro do empedrado, onde a superfície é menos irregular e as pedras estão em melhor estado. Um palmo ao lado e estaremos na vertigem de uma queda. O guiador não cessa de tremer-nos nas mãos – o conselho foi manter os braços relaxados – mas arriscamos a ganhar um pouco de velocidade. A passagem dos pneus pelo pavé produz um som cadenciado, crepitante.

A experiência dura uns minutos mas a impressão que fica é profunda. O suficiente para encararmos o pelotão que neste domingo correrá a Paris-Roubaix com respeito reforçado. Serão várias horas, muitos quilómetros e um esforço sobre-humano. Assim se atravessa o inferno.

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