SIC e TVI arriscam-se a não ter qualquer imagem do Mundial 2014

RTP recusa ceder resumos de 90 segundos dos jogos do Mundial aos dois canais privados alegando que essa obrigação não se aplica a eventos fora do espaço europeu.

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As imagens dos jogos de futebol do Mundial do Brasil estão no centro de um braço de ferro Paulo Pimenta

Depois de recusar negociar os jogos da selecção portuguesa no Mundial do Brasil com a SIC e a TVI, a RTP nega agora ceder os 90 segundos de resumos de cada jogo a que habitualmente as outras televisões têm acesso gratuito. Assim, as duas estações privadas arriscam-se a não poder emitir uma única imagem da prova que decorre entre 12 de Junho e 13 de Julho.

A estação pública pediu à SIC e à TVI que paguem pelos resumos de 90 segundos dos jogos do Mundial que não incluam Portugal, disponibilizando-se, caso comprassem os primeiros, a oferecer os resumos de 90 segundos relativos aos jogos da selecção. Caso não houvesse negócio, então também não haveria a cedência de qualquer imagem da prova. Já antes lhes propusera a venda, por leilão, de 14 jogos sem a selecção nacional — método negocial que SIC e TVI recusaram.

As televisões privadas contestaram a recusa da cedência dos 90 segundos dos resumos junto da Entidade Reguladora para a Comunicação Social alegando que a estação pública está a impedir, ilegalmente, o acesso a acontecimentos considerados, por lei, de grande interesse público.

A RTP justifica a sua recusa de cedência gratuita dos resumos alegando que a directiva europeia Televisão Sem Fronteiras, que entre outras questões regula os direitos de transmissão televisiva, se aplica apenas a acontecimentos que decorrem nos Estados-membros da União Europeia e não a acontecimentos que têm lugar em países terceiros, como é o caso deste Mundial de futebol.

O PÚBLICO contactou a RTP, que não quis comentar o assunto. Nas estações privadas, o caso está entregue aos respectivos departamentos jurídicos, que estão a trabalhar na argumentação para responder à RTP e argumentar junto da ERC.

O director de Informação da TVI defende que “o interesse público não tem fronteiras” e que as televisões “têm direito à informação e a informar”. Por isso, este Mundial deveria ter o mesmo tratamento que o de 2010, na África do Sul: partilha de jogos, de custos e de resumos. José Alberto Carvalho afirma que a questão do Mundial não se esgota no licenciamento.

“Será a operação mais cara de sempre da RTP por não haver partilha de meios e de custos entre os vários operadores. É um imperativo nacional que a TV pública revele quanto vai gastar do dinheiro dos cidadãos”, defende o jornalista, acrescentando que a RTP deve “explicar como pode um canal de serviço público suspender a sua grelha e transformar-se numa SportTV de sinal aberto para emitir os 48 jogos que comprou”. Há semanas, o presidente da RTP garantiu aos deputados da comissão de Ética ter um “plano B para recuperar o investimento”, mas não revelou qual nem quanto a empresa gastou nos direitos, comprados há quatro anos. A RTP já negociou a venda de alguns jogos à SportTV e de resumos a esta operadora e à CMTV.

 Directiva omissa
A verdade é que a directiva europeia não é clara sobre o assunto. O texto é omisso quanto ao local de origem dos acontecimentos de grande interesse para o público e fala apenas explicitamente de regras sobre o Estado-membro em que está estabelecido o operador que detém os direitos. Não pertencendo o Brasil à UE, o operador público considera que não tem obrigação de ceder os conteúdos.

Ao transpor a directiva para a legislação nacional, a actual Lei da Televisão estipula a obrigação da cedência de imagens “de acontecimentos ocorridos no território de outro Estado-membro da União Europeia”. A interpretação que daqui decorre é que se a directiva não fala sobre os eventos em locais fora da União, como neste caso o Brasil, é porque essa obrigação de cedência não se aplica.

A única possibilidade que a SIC e a TVI poderão explorar assenta na argumentação de que o direito a emitir os pequenos resumos de 90 segundos decorre da necessidade de “salvaguardar a liberdade fundamental de receber informação e garantir a total e devida protecção dos telespectadores”.

No último Mundial realizado fora da Europa, na África do Sul, em 2010, este problema não se colocou porque os jogos foram divididos entre as três estações de sinal aberto. E em 2002, quando a prova se realizou na Coreia do Sul e no Japão, foi a SportTV que adquiriu os direitos de transmissão para Portugal, mas acabou por vender os encontros da selecção nacional à RTP. Devido à diferença horária, que levou a que os encontros fossem transmitidos em directo durante a madrugada, a exploração comercial não teve bons resultados.

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