“Se já ganhei uma Volta, por que não posso ganhar outra?”

Alejandro Marque é um dos candidatos ao triunfo na principal prova de ciclismo portuguesa. O espanhol falou ao PÚBLICO no arranque da Volta a Portugal e confirmou que vai lutar pelo triunfo.

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Alejandro Marques DR

O sempre feliz Alejandro Marque venceu a Volta a Portugal e foi do céu ao inferno em poucos meses. Esteve afastado das estradas durante uma temporada, devido à demora da federação espanhola em ilibá-lo de um resultado adverso por betametasona, que tomou para uso terapêutico, mas nunca desistiu de provar a sua inocência. Em 2015, o ciclista mais consensual do pelotão nacional voltou à sua prova mais querida e acabou em terceiro. Este ano, com uma única chegada em alto e com um contra-relógio bem à sua medida, é o grande candidato a impedir o amigo Gustavo Veloso de conquistar o "tri".

Sente que, nesta edição, é o agora ou nunca?
Não. Penso que ainda tenho muitas [Voltas a Portugal] pela frente. Ainda tenho uma idade e uma condição física que, acredito, me vão permitir a estar na luta durante vários anos.

Os contratempos que enfrentou no início da temporada [um vírus colocou-o em risco de vida e, durante a recuperação, teve gripe A] aumentam a pressão para ter um bom resultado?
Seria diferente se tivesse vencido alguma prova, mas também não venho com essa pressão, porque as pressões nunca são boas conselheiras. Estou tranquilo, sei que fiz as coisas bem para estar aqui, e agora é uma questão de ter saúde, de não ter nenhum azar.

Sente que o vírus o debilitou fisicamente durante a temporada?
Claro. Tinha atingido um bom nível e estive 15 dias num hospital. Perdi todo o trabalho que fiz, massa muscular. Tive de recomeçar do zero o trabalho de ginásio. É diferente. Demorei um mês e tal a voltar ao nível em que estava antes. Perdi muito tempo. Quando voltei, na [Volta à] Bairrada, estive perto da vitória – fui segundo na geral -, no Grande Prémio Jornal de Notícias e no [GP do] Dão também. No [Troféu] Joaquim Agostinho já tive boas sensações, depois do estágio em altitude. A condição física voltou a aparecer.

O que aconteceu desmoralizou-o?
Quando chegamos a uma determinada idade já enfrentámos muitos contratempos e estes incidentes são aqueles em que temos de ser mais fortes psicologicamente e manter a tranquilidade. Nesse aspecto, tenho de agradecer à equipa, porque nunca me impuseram nada, nunca me fizeram andar mais do que eu podia. Nunca senti que estivessem a pressionar-me e isso é de destacar, porque em outras equipas estás mais sujeito a esse tipo de pressões.

No ano passado, teve uma má experiência de liderança repartida na Efapel [com Joni Brandão, que acabou em segundo na geral]. Este cenário repete-se nesta edição. É uma situação pouco confortável ou é bom saber que há alguém pronto a assumir o lugar, caso algo corra mal?
Penso que todas as equipas têm um segundo líder. É normal haver algum azar, uma queda, e é importante ter uma segunda cartada para jogar. O mais complicado é quando há quatro ou cinco homens para a geral. Mas, se as circunstâncias forem bem definidas e claras, não há problema. Com o Amaro [Antunes] tenho uma boa relação, já estive com ele no Tavira e temos falado entre nós. Respeitamo-nos. Não podemos estar a querer ficar um à frente do outro. Estamos a correr e a defender uma mesma camisola, que é a da LA-Antarte.

Em 2013, quando venceu a Volta a Portugal, o seu amigo David Blanco apontou a falta de autoconfiança como o seu principal problema. Isso mudou ou todos os percalços que enfrentou nos últimos anos reforçaram esse "defeito"?
Quando tens o papel de gregário, como eu tive durante tantos anos, é difícil mudar o chip. Só quando vês que estás a discutir uma Volta a Portugal é que percebes “se ganhei uma, por que não vou poder ganhar mais?”. Há que mudar o chip. Penso que já mudei. No ano passado, depois de estar um ano sem competir, acabei no terceiro lugar, o que foi bom. Este ano, chego com duas temporadas completas e penso que isso jogará a meu favor.

Tendo em conta o percurso, é apontado como o grande rival de Gustavo Veloso. Assume-se como tal?
Se já lhe ganhei uma Volta, por que não lhe posso ganhar outra?

A existência de apenas uma chegada em alto favorece-o?
Ouço as pessoas dizerem que o percurso é mais fácil e eu não concordo nada. A etapa da Torre é uma etapa complicada. Se alguém ficar sem equipa, depois da passagem pela Torre, há muito terreno em que se pode ganhar ou perder tempo. A etapa de Viseu, com a Serra de São Macário, com dez quilómetros com uma pendente média de inclinação de 10%, é difícil. Esta Volta é para ir dia a dia, a riscar os dias no calendário até Lisboa.

Os candidatos à amarela são os suspeitos do costume?
Creio que sim. O Gustavo é um candidato, o Joni também pode ser e até tenho as minhas dúvidas se o José Gonçalves (Caja Rural) não estará com ideias. No ano passado, ele estava mais focado em ganhar etapas, mas é um homem que se vier mentalizado pode estar na luta.

Seria mais fácil se o ciclista que quer derrotar não fosse um grande amigo?
É uma situação estranha. Somos muito amigos, já aconteceu isso na OFM [quando Marque ganhou a amarela por quatro segundos] e, em 2015, também estivemos frente a frente. A amizade ficou igual e vai ficar igual, aconteça o que acontecer. Eu defendo umas cores, ele defende outras. Claro que se eu puder ganhar-lhe, vou fazê-lo e vice-versa.

Conhecerem-se tão bem funciona mais como uma vantagem ou como uma desvantagem?
Talvez seja uma desvantagem, porque eu sei quando ele pode fraquejar e ele sabe quais os meus pontos fracos. Depende da perspectiva com que se encare…

Esteve com eles a estagiar [em Navacerrada]…
Até fui massajado por ele! Já veem a rivalidade [ri-se].

Conhece então todos os segredos da W52-FC Porto?
Estive lá a treinar e ia jantar quase sempre com eles. Cada um tinha o seu programa de treino, treinei duas, três vezes com o Gustavo. Mas são muitas horas ali e, quer queiras, quer não, estar sozinho num apartamento durante tantos dias [20] e tantas horas mexe com a cabeça de qualquer um. À tarde, combinávamos programas, nos quais estavam os W52, mas também outros atletas que estavam a estagiar por ali. No final, isso é o bonito do ciclismo.

A sua carreira ficou definida pelo episódio da Movistar [que rescindiu o contrato, sem respeitar a presunção de inocência]?
Marcada sim, definida não, porque ainda tenho muito a dar ao ciclismo. Mas marcada, claro que sim. Ia representar a melhor equipa do mundo e ter acesso a um calendário que sempre sonhei fazer. É algo que aconteceu e que assimilei. Já não posso olhar para trás. Por muitas voltas que dê.

Consegue ver, por exemplo, a Movistar no Tour?
O Tour sim, mas fico revoltado ao vê-los. Apesar disso, quando ganhou o [Ion] Izagirre fiquei contente, porque privei muito com ele e é bom rapaz. Os colegas não têm culpa dos responsáveis da Movistar se terem portado mal comigo.

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