Sangue português nas profundezas da Islândia

A III Divisão islandesa de futebol conta com um "tecnicista" nacional numa das suas equipas.

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Guilherme Ramos DR

Guilherme Ramos abandonou Lisboa em 2010 e foi à procura da sorte na Islândia. Gostou tanto da primeira experiência que repetiu a dose. Regressou para ficar, apesar das saudades da família e dos amigos que deixou em Portugal. O português, que joga no Knattspyrnufélagid Vídir, equipa da III Divisão, é uma das mais de 1500 pessoas que habitam na localidade.

“Na minha primeira estadia, em 2010, acabei por abandonar a Islândia de forma precoce devido à crise que se abatia no país. Saí para a Polónia, voltei depois a Portugal e o ano passado recebi o convite para voltar. Não hesitei… Não há um grande motivo por ter optado pela Islândia em particular, embora hoje esteja muito feliz pela escolha que tomei. Foi possivelmente a mais importante e melhor decisão da minha vida. Não só a nível desportivo, como a nível pessoal”, relata o avançado, que nas horas vagas dá aulas aos mais novos.

“O meu dia-a-dia é muito simples. É dividido entre os meus treinos com a minha equipa, por vezes duas vezes por dia, e os treinos aos meus “miúdos”. Treino duas equipas das camadas jovens do Vídir dos 6 aos 10 anos, assim como a equipa de sub-15 onde já trabalho um pouco mais a sério na coordenação e na formação destes rapazes, num futebol que está a conhecer uma evolução enorme nos últimos anos. O futebol por aqui tem na verdade características muito próprias. Sendo que o futebol e os clubes neste caso não são 100% profissionais (apenas 4 ou 5 o são em todo o país), os jogadores acabam por ter as suas actividades profissionais paralelas”, revela, acrescentando que o único senão na sua integração está na língua.

“Complicado… muito complicado! A língua islandesa é muito difícil. Mesmo islandeses confessam que até para eles é complicado. Têm muitas maneiras de dizer a mesma palavra tendo em conta o tempo verbal, inclusive os nomes! São capazes de me chamar Ramos… Rama…Ramu, enfim. Felizmente, direi que 99% dos islandeses falam inglês de forma fluente, como se fosse a língua mãe, o que facilita as coisas. No entanto, vou tentando a minha sorte no islandês, palavras soltas, às vezes sem sentido, mas aos poucos vou-me safando. Das duas uma, ou entendem à primeira ou provoco uma enorme gargalhada e volto ao inglês”, recorda, falando que vive num país super seguro.

“É uma sociedade impressionante. A taxa de criminalidade roça o zero. As portas e janelas de casa ficam destrancadas todo o dia. Os polícias andam desarmados”.

Pela primeira vez na sua história, a selecção islandesa carimbou passagem para a fase final de uma grande competição, ultrapassando as consagradas República Checa, Holanda e Turquia. Para Guilherme Ramos, esta ascensão meteórica é fruto de muito trabalho.

“Em primeiro lugar, ao nível das infra-estruturas, a maior parte dos clubes têm hoje autênticos estádios cobertos que permitem que se treine o ano inteiro, e não apenas entre Maio e Setembro, quando o clima permite treinar e jogar ao ar livre. Em segundo e não deixa de estar ligada à primeira, o treino e a metodologia dos clubes passou a estar virada para a formação, para as bases. Perceberam que aí estava o caminho, criar de raiz. E isto tem resultados visíveis a olho nu. O jogador Islandês de hoje, já não é apenas o rapaz forte, voluntarioso, tosco, que bate em tudo e tem muita força. O jogador islandês é hoje tecnicista, inteligente, com sentido de jogo, capacidades essas que conjuga com as outras que já tinham, com excepção do “tosco”. É nos dias de hoje um tipo de jogador muito interessante. Depois a chegada de alguns jogadores e treinadores estrangeiros, que vieram trazer algo de novo, quer às bases, quer às equipas principais. Por fim, o facto de bastantes jogadores islandeses jogarem hoje em campeonatos mais competitivos por esta Europa fora, com destaque para Holanda e Alemanha”, detalha o português.  

“Acredito que estes foram os principais ingredientes para os resultados que vamos vendo hoje em dia, quer nas selecções de sub-17 e sub-21 que têm estado sempre nas grandes decisões, e claro a cereja no topo do bolo que é este apuramento inédito para o campeonato da Europa. É comum jogar contra miúdos de 16-17 anos que já são titulares nas equipas principais dos seus clubes”, observa.

Planisférico é uma rubrica semanal sobre histórias de futebol e campeonatos periféricos

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