Ryan Giggs e a longevidade de carreira

O Manchester United anunciou há dias a renovação de contrato com Ryan Giggs até 2014. Em vésperas de completar 1000 jogos, o galês, tratado carinhosamente pelos adeptos como Giggsy, vai jogar até aos 40 anos de idade ao mais alto nível. Muitos títulos ganhos, e quando terminar a próxima temporada, serão 24 anos sempre no topo. Impressionante! Não tenho qualquer dúvida de que o manager Sir Alex Ferguson teve e continua a ter um papel decisivo a este propósito, e não poderia ser mais explícito: “Ryan mereceu a renovação porque o seu rendimento não sofreu alterações nos últimos anos”.

Há registos de outros casos de longevidade, mas com a exigência competitiva dos tempos que vivemos, num clube de topo como os red devils e com esta idade, não me ocorre. Ao tomar conhecimento da notícia pelo site do Manchester, de imediato me surgiram algumas questões… Como pode um jogador manter-se no topo até aos 40 anos de idade? Será que outros futebolistas poderiam igualmente ter chegado a esta marca com o treinador adequado? O que leva um clube com a dimensão do United a manter um atleta nestas condições? O que pode ele dar ao clube e à equipa? Como deve um treinador gerir um futebolista nestas circunstâncias? Após a sua retirada, não há dúvidas que vai acontecer um dia, como pode o seu capital de experiência acumulada ser aproveitado num clube?

Ao site do Manchester United, The boss, como é tratado Alex Ferguson pelos jogadores, afirmou: “O que posso dizer de Ryan que ainda não tenha sido dito? Ele é um jogador maravilhoso e um ser humano excecional. É um exemplo para todos nós, no que toca à forma como tratou e continua a tratar de si.”

Como se manter no topo...
A carreira de um futebolista de eleição e a competir ao mais alto nível é muito exigente e desgastante. O facto de não contrair muitas lesões pode ser crítico, assim como é importante o contributo que a evolução da metodologia do treino, a medicina desportiva e outras ciências subsidiárias tiveram nas últimas décadas.

Não erro se disser que a quase totalidade dos futebolistas que continuam a jogar até tarde, sentem uma enorme paixão e prazer pela atividade e mantêm a motivação e o desejo de continuar a competir, a desafiar-se, a superar-se diariamente. Têm personalidade, boa cabeça e caráter. São uns verdadeiros campeões, contagiam os demais e possuem mentalidade. Está-lhes no ADN! Uma vida regrada, hábitos e rotinas de treino adequadas e um estilo de vida saudáveis fazem parte do quotidiano destes atletas. Têm uma educação desportiva de topo e possuem a consciência das exigências e das responsabilidades associadas ao seu trabalho.

São muito fortes mentalmente, treinam nos limites e sabem que o descanso é parte integrante e complementar do treino. Utilizam racionalmente os “tempos livres” e sabem o que fazer para se prepararem, não só física mas também emocionalmente, para os estímulos do(s) treino(s) do dia seguinte, alimentando e hidratando bem a  “máquina” especial que é o corpo de um atleta de eleição.  Ainda há uns dias Eusébio afirmou precisamente a importância de uma vida regrada: “Para se ser um futebolista de dimensão internacional não basta ter talento. É preciso uma vida regrada e fugir dos vícios”. Enfim, mens sana in corpore sano…

... com o treinador certo
Não é para todos atingir este desiderato, mas estou seguro que com o treinador certo, isto poderia acontecer com mais frequência. Claro que o ambiente e o clube podem assumir um papel ativo para que um futebolista revele e potencie valências e caraterísticas conducentes a esta longevidade. Neste caso concreto, Sir Alex Ferguson possui um conhecimento profundo do percurso de Giggs, a evolução que este sofreu como homem e atleta desde miúdo, e isto pode explicar a vontade do clube/treinador continuarem a contar com ele.

Além de o clube dever proporcionar todas as condições para otimizar o processo de treino e a recuperação fisiológica e mental, o papel do técnico é aqui muito importante. O treinador deve ser um profundo conhecedor do processo de treino e da dinâmica dos estímulos fisiológicos, e implementar uma metodologia de treino de forma a tirar rendimento do jogador sem correr riscos de lesões; deve ter também um conhecimento profundo do perfil psicológico do jogador e um domínio profundo da capacidade, potencial e competências do futebolista e do que ele pode continuar a dar à equipa e ao clube.

Cabe ao treinador assumir um papel determinante no estabelecimento de uma visão para a carreira do jogador e de o liderar nesse caminho árduo de o “esculpir”, “modelar” a valores comportamentais e competitivos. O técnico deve estimular o futebolista a evoluir, fornecendo-lhe toda a informação e os instrumentos necessários a um profundo conhecimento da lógica do jogo, das suas particularidades e nuances táticas.

Neste processo, à medida que vai perdendo frescura física, o jogador, por outro lado, aumenta a acumulação de vivências e enriquece a sua capacidade decisória. Um melhor conhecimento do jogo e das suas capacidades ajudam o jogador a reinventar-se e por vezes a ocupar outras zonas do campo, assumindo outras funções táticas. O jogador Giggs de hoje é diferente do de início de carreira e ele tem noção clara disso. “Sinto-me igualmente confortável a jogar tanto no meio como na esquerda, o meu trabalho agora é fazer passes que perturbem o defesa, em vez de o driblar”, afirmou, porque “estar em campo é tudo o que interessa”.

(continua)

* Artigo publicado respeitando a norma ortográfica escolhida pelo autor
 
 
 

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