O doping e a corrupção andaram de mãos dadas no topo do atletismo

Relatório da Agência Mundial de Antidopagem descreve um cenário de corrupção generalizada ?na Federação Internacional de Atletismo, onde se comprava o silêncio em casos de dopagem.

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Lamine Diack, ex-presidente da IAAF Jason Lee/Reuters

O atletismo, principal desporto olímpico, bateu no fundo. Esta é a conclusão a que se chega ao escutar as conclusões da segunda parte do relatório da comissão de inquérito da Agência Mundial de Antidopagem (AMA) sobre as suspeitas de más práticas na Federação Internacional de Atletismo (IAAF, sigla na versão inglesa), entidade que gere o atletismo a nível mundial. “A corrupção é parte integrante” da IAAF e os seus dirigentes “não podem ignorar a amplitude do doping”, disse Dick Pound, antigo líder da AMA e actual presidente da comissão de inquérito desta entidade numa conferência de imprensa que decorreu quint-feira em Munique.

A comissão entende que a corrupção “não pode ser atribuída apenas a algumas maçãs podres que actuaram de forma isolada” e considera que a IAAF não foi suficientemente “firme com alguns paises, nomeadamente com a Rússia”.

Lamine Diack, o senegalês presidente da IAAF entre 1999 e 2015, ano em que foi substituído no cargo pelo antigo meio-fundista britânico Sebastian Coe, surge como o grande responsável por toda esta situação, sendo apontado como “o responsável por organizar e permitir esquemas de corrupção na IAAF”.

Diack terá criado um grupo restrito, composto por elementos que lhe eram próximos, e que funcionavam como uma estrutura ilegítima de governo fora da IAAF. O senegalês sancionou e parece ter tido mesmo conhecimento pessoal de casos de fraude e extorsão a atletas.

Segundo o documento revelado a quinta-feira, o conhecimento da IAAF sobre situações de corrupção envolvendo atletas da Rússia era bem maior do que até hoje se supunha, não tendo aquela entidade revelado vontade de resolver os problemas.

Sebastian Coe, actual presidente da IAAF, sai ileso de todo este escândalo, tendo mesmo sido apoiado por Dick Pound. “Não havia forma de Sebastian Coe ter tido conhecimento da dimensão do estratagema de Diack,” disse o canadiano.

Segundo Pound, a “corrupção na IAAF, que agora é revelada, não tem a dimensão da que atingiu a FIFA. No entanto, teve reflexos nos resultados desportivos, o que coloca a questão a um outro nível”.

Os 25 milhões russos
Um dos casos sobre o qual se debruça a comissão de inquérito dirigida pelo canadiano Dick Pound relaciona-se com o aumento de 6 para 25 milhões de dólares dos direitos de transmissão televisiva dos Campeonatos do Mundo de 2013, de Moscovo.

Segundo o documento, em 2012 decorreu uma reunião num hotel moscovita entre o conselheiro da televisão russa, Papa Massata Diack, filho de Lamine Diack, Habib Cissé, na altura conselheiro jurídico de Lamine Diack, Valentin Balakhnichev, à época tesoureiro da IAAF e presidente da Federação Russa de Atletismo, e Essar Gabriel, recém-nomeado secretário-geral da organização.

No final desta reunião, organizada para tratar do “problema” dos seis milhões de dólares, considerado um valor demasiado baixo pela IAAF, Papa Massata Diack conseguiu um acordo através do qual um grande banco russo elevou a contrapartida financeira para os 25 milhões de dólares.

“Parece certo ter havido uma ligação entre a atribuição dos direitos de transmissão televisiva a certos grupos e a dissimulação de controlos antidoping positivos a atletas russos”, sustenta a comissão de inquérito.

Sobre o Quénia, nem uma palavra, apesar das suspeitas que recaem sobre os resultados dos atletas deste país africano, que nos Mundiais de 2015 ficou, pela primeira vez, no topo dos países com mais medalhas de ouro. Nem a declaração de Dick Pound — “é claro que há aí um problema” — fez com que, por agora, fossem feitas revelações. Uma frase que deixa no ar a hipótese de novas revelações num futuro próximo.     

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