Ramires, apenas a mais recente aquisição do insaciável campeonato chinês

O Império do Meio está decidido a tornar-se uma potência do futebol mundial e a contratação de jogadores habituados aos campeonatos mais exigentes do planeta é só uma peça do puzzle

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Ramires é a mais recente contratação do futebol chinês John Sibley/Reuters

No mesmo dia, Ramires e Guarín, dois jogadores com passagens recentes pelo futebol português e futebolistas internacionais, respectivamente, do Brasil e da Colômbia, aceitaram deixar campeonatos europeus de topo para passarem a jogar na Super Liga chinesa (a primeira divisão do futebol chinês). O médio do Chelsea passará a vestir a camisola do Jiangsu Suning, enquanto o atleta do Inter de Milão irá representar o Xangai Shenhua.

Os dois são os rostos mais recentes de uma tendência que se tem vindo a acentuar nos últimos tempos. A China está cada vez mais empenhada em tornar-se numa potência da mais importante modalidade desportiva mundial e tem como grande argumento o músculo financeiro que não se inibe de exibir. É esta, de facto, a principal arma para atrair jogadores de nível internacional para um campeonato que permanece ainda longe dos holofotes dos media mundiais. Um jogador que decide ir jogar na China aceita “desaparecer” do radar, mas sabe que pelo “desaparecimento” a sua conta bancária vai tornar-se cada vez mais visível, pelo menos para ele.

Um exemplo paradigmático é o do brasileiro Ramires, que passou a ser a contratação mais cara do futebol chinês. Contratado por 23 milhões de euros ao Benfica em 2010, não foi titular em nenhuma partida durante o consulado de Guus Hiddink no Chelsea e antes tinha-o sido apenas em sete ocasiões esta época. O médio de 28 anos percebeu que o seu espaço de manobra em Stamford Bridge era reduzido e aceitou passar a jogar no Jiangu Suning, equipa cujo treinador é o antigo jogador do Chelsea, Dan Petrescu. O emblema chinês pagou cerca de 26 milhões de euros pelo brasileiro.

A Super Liga Chinesa tem um estatuto absolutamente excepcional no panorama do desporto daquele imenso país. Uma condição que resulta da intervenção pessoal do presidente Xi Jinping. Assim, a Federação Chinesa de Futebol é a única com uma gestão própria e sem intervenção governamental, possuindo autonomia financeira e administrativa. Mas não é apenas a este nível que o futebol assume um estatuto ímpar na China. A decisão governamental de dar um impulso à modalidade tornou-se evidente quando a sua prática passou a ser obrigatória nos programas escolares de educação física por imposição estatal.

Os principais clubes beneficiam de um invejável músculo financeiro resultado da entrada de capital oriundo de investidores privados, impulsionados por benévolas medidas fiscais emanadas directamente pelo Governo. Um exemplo de como dinheiro não é um problema? Ma Yun, proprietário da Alibaba, uma gigante do comércio electrónico na China, investiu recentemente cerca de 252 milhões de euros por 50% dos campeões Guangzhou Evergrande.

Todo este esforço de tornar o futebol chinês, seja ao nível dos clubes, seja ao nível das selecções, um caso de sucesso já começa a dar frutos. O Guangzhou Evergrande venceu duas das últimas três Ligas dos Campeões Asiáticos (o equivalente à Liga dos Campeões na Europa) e foi quarto classificado nas edições de 2013 e 2015 do Mundial de clubes. Os resultados começam também a ser promissores na selecção masculina, que atingiu os quartos-de-final da última edição da Taça Asiática (equivalente ao Campeonato da Europa), sendo apenas eliminada pela Austrália, que viria a ganhar a competição.

Início da ponte aérea

Quando Dario Conca aceitou ir jogar para o Guangzhou Evergrande, em 2011, essa decisão passou praticamente despercebida a nível internacional mas, cinco anos depois, a transferência de 13 milhões de euros do argentino do Fluminense para o emblema chinês pode ser vista como o momento fundacional do exponencial crescimento da Super Liga Chinesa.

Os 15 milhões de euros anuais de ordenado de Conca transformaram-no num dos jogadores mais bem pagos a nível mundial e deram início a um fluxo crescente de transferências de futebolistas sul-americanos – particularmente do Brasil – para o grande país asiático. Entre actuais e antigos internacionais brasileiros a actuarem na China estão Diego Tardelli (Shandong Luneng), Robinho (Guangzhou Evergrande), Paulinho (Guangzhou Evergrande), Ricardo Goulart (Guangzhou Evergrande), Jadson (Tianjin Songjiang), Luis Fabiano (Tianjin Songjiang), Renato Augusto (Beijing Guoan) e agora Ramires (Jiangu Suning).

Tardelli confirma na primeira pessoa que são os chorudos salários que justificam esta espécie de “ponte aérea”. “Muda a tua vida financeira”, disse numa entrevista ao Globoesporte. “É fantástico jogarmos no Brasil, com os adeptos e a pressão constante que se sente. Mas os ordenados na China são muito superiores e são pagos a tempo e horas. Tenho 30 anos e tenho que pensar no meu futuro”.

Mas não há só brasileiros. O ganês Asamoah Gyan e o senegalês Demba Ba, são outros nomes que não soam estranhos aos amantes do futebol. E, claro, há um português. Rúben Micael, que o ano passado trocou o Sporting de Braga pelo Shijiazhuang Ever Bright.

Para além dos jogadores, também os treinadores cederem ao apelo deste jackpot asiático. Antigos seleccionadores, como Luiz Felipe Scolari e Mano Menezes, já fizeram as malas - Menezes tornou-se treinador do Shandong Luneng em Dezembro, poucas semanas depois de Scolari ter conduzido o Guangzhou Evergrande ao seu quinto título consecutivo de campeão. Scolari sucedeu no cargo ao italiano Fabio Cannavaro, que ocupou o lugar de Marcello Lippi… Aliás nas 16 equipas que vão competir na próxima edição da Super Liga Chinesa apenas três têm treinadores chineses.  

Sven-Goran Eriksson dirige o Xangai SIPG desde 2013. Convidado a falar sobre o modo de vida na China, o diplomata treinador sueco foi polido, como sempre: “É um país fantástico para se viver. Vivo em Xangai e se me pedir para comparar esta cidade com Londres, sinceramente não saberia dizer qual das duas é melhor.” E o desejo dos chineses é que, muito em breve, a dúvida se coloque também entre a Liga chinesa e a Premier League.

O que é a Super Liga Chinesa

A Super Liga Chinesa é a designação para a I Divisão do campeonato chinês de futebol. Actualmente é disputada por 16 clubes. Foi constituída em 2004, substituindo a anterior competição e assumiu a partir dessa data um crescente grau de profissionalização. Até hoje teve seis campeões diferentes, sendo o Guangzhou Evergrande, simultaneamente, o actual campeão e o clube com maior número de títulos (5). A contratação de jogadores estrangeiros é bem vista, pois é considerada um factor que eleva a qualidade global. No entanto, há limitações. Cada equipa só pode ter um máximo de cinco jogadores não chineses, havendo uma excepção para um jogador asiático, e pode apenas utilizar quatro a titulares por jogo.

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