Raios X da Polónia: a arte da simplicidade

Muito forte nas transições ofensivas, a selecção de Adam Nawalka é o espelho da solidariedade, ainda que mais baço do lado esquerdo da defesa.

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Pensar na selecção polaca dos últimos anos a manobrar com uma dupla fiel de avançados era, até há bem pouco tempo, pelo menos uma improbabilidade. Se Robert Lewandowski era uma certeza no “onze”, poucas dúvidas restavam também quanto à necessidade de dotar a equipa de um lote generoso de operários que fizessem de um futebol organizado e solidário a imagem de marca da Polónia. Adam Nawalka, porém, viu em Arkadiusz Milik o complemento ideal para o goleador do Bayern Munique, sem que essa “ousadia” minasse a força motriz da equipa.

Assente num 4-4-2 intocável, a selecção das “águias brancas” é hoje sinónimo de  estabilidade, de coordenação entre sectores e de explosão controlada no contragolpe, contando também com uma ala direita de luxo. É uma equipa que gosta de gerir as operações com bola, desfiando muitas vezes o jogo interior para, no último terço, procurar as faixas para cruzamentos, mas que também sabe sobreviver sem ela (como se viu no encontro com a Alemanha). Seja qual for o contexto, é na linearidade das transições ofensivas que provoca mais calafrios, colocando não raras vezes cinco elementos nesse momento do jogo.

Mas o registo de simplicidade de processos que apresenta também tem algumas falhas, a começar pelas transições defensivas e, em particular, pelo lado esquerdo de um sector que não encontrou substituto à altura para a ausência do extremo adaptado - e incontestado - Maciej Rybus.

Defesa: explorar a fragilidade de Jedrzejczyk

A escola de guarda-redes polaca continua a produzir grandes talentos e nem a lesão de Szczesny, que só cumpriu o primeiro jogo deste Europeu, abalou os alicerces da selecção. Fabiánski tem confirmado credenciais em França — e aquela defesa notável ao livre do suíço Ricardo Rodríguez está aí para o provar — e, para além da qualidade que mostra entre os postes, tem também uma palavra a dizer no lançamento dos ataques rápidos, com reposições manuais cirúrgicas a longa distância.

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Jedrzejczyk

O quarteto defensivo é uma espécie de mesa apenas com três pernas. Piszczek é o lateral mais seguro, especialmente forte na antecipação, e muito influente na manobra ofensiva. Não só combina bem com Blaszczykowski, como cruza com critério e surge, ocasionalmente, em zonas de finalização. Do lado oposto reside a principal dor de cabeça de Nawalka, que tem preferido apostar em Jedrzejczyk, um lateral direito adaptado, deixando no banco um defesa  esquerdo de raiz: Wawrzyniak. Menos ousado do que Piszczek, raramente se envolve nas investidas atacantes e é permeável no controlo da profundidade e, muitas vezes, do espaço que o separa do central. Denota também dificuldades na saída de bola, agravadas pelo facto de ser um jogador destro a ocupar o corredor oposto.

No eixo, a Polónia conta com dois elementos competentes q.b. Descaído sobre a direita, Kamil Glik, mais imponente e autoritário no jogo aéreo — e um elemento muito acarinhado pela exigente massa adepta do Torino —, e, sobre a esquerda, Michal Pazdan, central que joga de forma segura e simples com os dois pés. 

Meio-campo: coesão, trabalho e velocidade

Numa equipa que gosta de comandar com bola, é Krychowiak quem se destaca no meio-campo defensivo. Um trabalhador nato, muito forte na antecipação e no desarme, é a mola propulsora das acções atacantes sempre que a equipa constrói a partir de trás, ainda que essa dimensão se esbata porque os extremos tendem a baixar para depois atacarem a profundidade. Tecnicamente mais dotado do que Maczynski, tem no colega do Wisla Cracóvia um contraponto importante para assegurar os equilíbrios defensivos e manter a ordem mesmo quando a equipa ameaça partir-se.

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Blaszczykowski

Num sector muito compacto e solidário, a vertigem atacante fica à mercê de dois elementos de perfil distinto. À direita, Blaszczykowski é o mais cerebral  dos extremos. Perigoso nas diagonais interiores e a surgir em zonas de finalização (remata bem com os dois pés), é também importante na variação do centro do jogo e nas coberturas defensivas.

À esquerda, Grosicki é um acelerador nato, com um futebol mais vertical feito à custa de uma condução de bola imaculada a grande velocidade. É para ele, de resto, que quase invariavelmente são feitos os lançamentos longos quando se impõe um jogo mais directo. Influente na manobra da equipa, tem no veloz e criativo Kapustka (19 anos) — utilizado com regularidade na fase de grupos — um concorrente muito sério.

Ataque: dupla versátil e pressionante

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Milik

Por muito apagado que ande Lewandowski por estes dias — e é verdade que, na zona de decisão, quase nada lhe tem saído bem neste Europeu —, será sempre a referência das referências para os centrais portugueses. Habitualmente refinado no controlo da bola e implacável na grande área, o goleador do Bayern Munique tem mostrado no torneio a sua faceta de combate, encarnando o espírito solidário que Nawalka aprecia.

Não raras vezes recua até ao meio-campo e tenta ele próprio sair a jogar, mas é a partir do pressing alto que partilha com Milik que tem causado incómodo aos adversários, complicando-lhes a primeira fase de construção e ganhando ressaltos que se transformam em oportunidades de golo.

De Milik (que, tal como Grosicki e Blaszczykowski, se encarrega de cobrar as bolas paradas laterais) pode esperar-se versatilidade nas movimentações e um jogo aéreo de respeito, predicados a que junta uma notável capacidade de entreajuda, sendo dos elementos que mais rapidamente recupera no momento de perda da bola.

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