Quando o futebol levou a melhor sobre a violência do narcotráfico

Ciudad Juárez chegou a ser vista como o local mais perigoso do mundo. Mas houve um dia em que o futebol falou mais alto.

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O Indios, de vermelho e branco, numa partida contra o Pachuca em 2009 Reuters

Estávamos em Maio de 2008 e Ciudad Juárez saía à rua: o clube local tinha acabado de garantir a subida ao principal escalão do futebol mexicano e os adeptos – em desafio ao aviso feito por um dos cartéis que combatia pelo controlo do narcotráfico na cidade, que circulava por e-mail e ameaçava fazer do fim-de-semana “o mais sangrento e mortal” da história – celebravam aos milhares, numa fuga temporária ao quotidiano de violência que assolava esta cidade na fronteira do México com os EUA, tristemente conhecida como o local mais perigoso do mundo. Em 2008, contam as estatísticas, foram mortas mais de 1600 pessoas em Ciudad Juárez.

O Club de Fútbol Indios tinha sido formado em 2005, com a mudança para Ciudad Juárez de uma equipa que estava em Pachuca. Passava, tanto quanto possível, ao lado das guerras dos cartéis: “Isto é o nosso escape à realidade, à violência e às más notícias”, admitia um adepto ao The New York Times, em 2009. Acontecia frequentemente as bancadas do Estádio Olímpico Benito Juárez estarem repletas de gente, incluindo crianças. Mas era impossível ignorar o que se passava. “Evito ver notícias na televisão. Sinto-me mais seguro”, confessava ao mesmo jornal um futebolista da equipa. O Indios de Ciudad Juárez tinha recebido várias respostas negativas de potenciais reforços e os que aceitavam representar o clube viviam em zonas rodeadas de muros altos e vedações com arame farpado.

A aventura no principal escalão, a primeira para o futebol juarense desde 1992 (entre 1988 e 1992 o Cobras de Ciudad Juárez ombreou com os maiores clubes mexicanos) foi efémera. O Indios não ganhou qualquer partida no Apertura 2009 e chegaria mesmo aos 27 jogos consecutivos sem ganhar – algo que ainda é um recorde no futebol mexicano. Desceu de escalão em 2010 e entrou numa espiral negativa que culminou com a extinção, no início de 2012. O final foi traumático: as dívidas acumulavam-se e Francisco Ibarra, dono da equipa, viu-se obrigado a vendê-la. Pela mesma altura viriam a público denúncias de ameaças feitas por Ibarra aos jogadores e acusações de lavagem de dinheiro.

Ciudad Juárez mudou desde que os Indios desapareceram. O crime continua a ser uma ameaça real, mas terão sido registados “apenas” 530 homicídios na cidade em 2013. A Universidade Autónoma de Ciudad Juárez assumiu a responsabilidade e formou uma equipa de futebol profissional que compete na segunda divisão, mantendo o nome do clube anterior mas mudando as cores (de vermelho e branco para azul e branco).

Planisférico é uma rubrica semanal sobre histórias de futebol e campeonatos periféricos

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