Quando a vida de Inglaterra não podia ficar pior, eis a visita a Belo Horizonte

Selecção inglesa regressa à cidade onde há 64 anos sofreu uma traumática derrota, “a pior” da sua história, para encerrar a participação no Mundial 2014.

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Ben Stansall/AFP

A Inglaterra despede-se hoje do Brasil e do Campeonato do Mundo no pior dos cenários. Já afastada da competição, sem nada por que lutar a não ser a honra, a equipa comandada por Roy Hodgson enfrenta a sensação Costa Rica (17h, SP-TV2), única selecção já qualificada para os oitavos-de-final – mas por quem ninguém dava nada – num grupo que incluía três campeões do mundo: para além da Inglaterra, também a Itália e Uruguai. Como se isso não bastasse, os ingleses cumprem o derradeiro encontro neste Mundial em Belo Horizonte, cidade que assistiu àquela que ainda é descrita como “a pior derrota” da história da selecção dos três leões. Foi há 64 anos, mas continua presente na memória colectiva.

O dia 29 de Junho de 1950 não devia ter passado de uma nota de rodapé na história dos Mundiais. O Estádio Raimundo Sampaio (mais conhecido como Estádio Independência, a pouco mais de dez quilómetros do Mineirão, palco do jogo de hoje), inaugurado de propósito para a primeira Copa do Brasil, acolheu 10.151 espectadores para o aguardado embate entre EUA e Inglaterra. De um lado, jogadores completamente amadores; do outro, futebolistas experientes dos melhores clubes da Liga inglesa. Mas a equipa norte-americana – que tinha disputado (e perdido) apenas dois jogos antes do Mundial – surpreendeu com um golo de Joe Gaetjens. Tanto que, do outro lado do Atlântico, houve notícias de uma vitória inglesa por 10-1, julgando que o resultado 0-1 era uma gralha. Esclarecido o equívoco, o jogo foi descrito como “o ponto mais baixo do desporto britânico”.

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A mesma Inglaterra que chegou ao Brasil a respirar confiança parte agora com o orgulho profundamente ferido. “Quem achar que não podemos ganhar o Mundial só pode estar completamente enganado”, frisava Roy Hodgson dias antes da estreia. Agora, deitada no divã, a selecção inglesa precisará de digerir a mais desapontante prestação num Campeonato do Mundo em 56 anos: desde 1958 que a Inglaterra não caía logo na fase de grupos. E nem faz sentido falar em maldição, disse ao PÚBLICO Patrick Collins, jornalista do Daily Mail: “As boas equipas não sofrem maldições. Acho que os jogadores nem nunca devem ter ouvido falar da história de Belo Horizonte”.

Há um mundo de diferenças entre a equipa de 1950 e a actual selecção inglesa. Mas, no regresso ao Brasil do Campeonato do Mundo, no essencial pouca coisa mudou. “A Inglaterra acertou em tudo – menos no futebol”, escreveu Daniel Taylor no The Guardian. A preparação inglesa não podia ter sido mais minuciosa, contava: a acompanhar os jogadores, viajou para o Brasil uma equipa de 72 pessoas – “incluindo um psiquiatra, nutricionistas, um especialista em relvados, um cozinheiro e pelo menos um tipo cuja função parece ser borrifar os jogadores com água quando a temperatura corporal deles começa a ficar demasiado alta”. O detalhe foi ao ponto de terem sido convidados cientistas da universidade de Loughborough para estudar os padrões de transpiração dos internacionais ingleses, análise que resultou em bebidas de recuperação personalizadas para cada futebolista.

Porém, isso de nada valeu: após derrotas contra Itália e Uruguai, os ingleses estão fora do Mundial. A polémica já estalou no Reino Unido, com Harry Redknapp (aspirante ao cargo de seleccionador inglês em 2012, mas que seria preterido em favor de Roy Hodgson) insinuou que haveria jogadores que não queriam ser convocados para a selecção. “Quando treinava o Tottenham havia internacionais que vinham ter comigo porque não queriam jogar por Inglaterra. Vinham e diziam-me: ‘Mister, ajude-me, não quero jogar’”, afirmou o técnico aos microfones da BBC. Declarações obviamente mal recebidas na selecção inglesa, com Steven Gerrard e Roy Hodgson a desafiarem Redknapp a revelar nomes: “Gostaria de descobrir quem são esses jogadores. Se o Harry [Redknapp] faz um comentário destes, devia revelar os nomes e envergonhá-los. Digo, do fundo do coração, que ninguém neste grupo queria voltar para casa”, respondeu o médio do Liverpool.

A recuperação da selecção inglesa passará obrigatoriamente por uma renovação. Acredita-se que Gerrard, com 34 anos, tenha cumprido no Brasil o último Mundial com a camisola da selecção inglesa. Frank Lampard, com 36 anos, está na mesma situação. Na linha de sucessão para envergar a braçadeira de capitão da Inglaterra está Wayne Rooney, que marcou no Brasil o primeiro golo em fases finais de Campeonatos do Mundo. Será o líder de uma selecção rejuvenescida: Ross Barkley, Luke Shaw ou Raheem Sterling foram alguns nomes citados pelo avançado do Manchester United como referências futuras da Inglaterra. E com Roy Hodgson ao leme, espera Rooney. “Como equipa, sentimos que estamos melhores”, sublinhou. Uma vitória em Belo Horizonte não permitirá só limpar um pouco a imagem deixada no Mundial 2014. Onde poderia a Inglaterra tentar inaugurar um novo ciclo senão no local onde sofreu a pior derrota da sua história?

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