Para quem interessou este Mundial?

As contas finais de um Mundial não terminam no apito final do árbitro escolhido para referenciar o último jogo. São contas que se prolongarão durante décadas, no cômputo de cada brasileiro, de cada família desse país continental, de cada contribuinte, de cada torcedor. Tivemos a ‘modesta’ experiência do Euro 2004 cujas contas ainda não estão encerradas, parecendo que, de tempos a tempos, mais ‘buracos’ são descobertos, mais derrapagens foram ocultadas e mais ineficiências escamoteadas. Apesar de todos nos orgulharmos desse atestado de modernidade, segurança e organização que o Euro 2004 comportou, apesar do 2.º lugar, apesar dos benefícios na alavancagem do turismo nacional, no empolamento orçamental dos nossos clubes e na dinamização de tantos empregos e trabalhos associados, ainda hoje há portugueses que, legitimamente, perguntam o que ganharam estando catalogados como residentes que vivem a dezenas de quilómetros da faixa litoral que hospedou o Euro 2004, que detestam o futebol e a confusão daqueles meses

No entanto, a Economia do Desporto recorda-nos que tendem a existir quatro ganhadores de qualquer mega-evento desportivo: os duques, os valetes, as biscas e os ases. Os duques são os free-riders do mediatismo. Os valetes são os bafejados pela sorte da ‘selecção adversa’. As biscas são os receptores dos milhões de unidades monetárias despendidas. Os ases são os apaixonados pela modalidade.

Os duques

Estes são os contestatários não de Dilma mas de um mosaico tão grande quanto um país continental como o Brasil pode ser, desde alas mais à direita até movimentos mais à esquerda, desde simples anónimos clamando por justiça até terroristas urbanos que mais do que a mediatização aproveitam a confusão. Indiretamente, na fotografia das contestações controladas/reprimidas aparecem os outros agentes a quem incontornavelmente o Mundial interessou – as forças de segurança, as paramilícias e as linhas de defesa populares, que têm nestas instabilidades os maiores motivos que justificam cada real gasto em Defesa Federal, Estadual e Policial.

Os valetes

Estes são as selecções emergentes, jovens e laboriosas. Estes eventos capitalizam, em termos relativos, muito mais os jogadores destes três tipos de selecções, ansiosos por saltarem para a Europa sem apeadeiros como a Liga portuguesa, ansiosos por capitalizarem o tempo de antena/scouting imediato que jamais voltarão a ter, e ansiosos por trocarem os seus suores por euros muito risonhos

As biscas

As biscas são os verdadeiros donos da bola, não os agentes, não os fundos, mas o mega-lobby das empreitadas, sub-empreitadas, organizações, sub-organizações, caterings, etc etc que ganham os milhões declarados, os milhões derrapados e os milhões calados.

Os Ases

Os Ases somos nós, os que nos divertimos, os que aplaudimos, os que choramos, os que sentimos. O desporto, e o futebol em particular, contribuem de sobremaneira para esse milagre que é o de, por vezes, nos recordarmos que somos humanos – que sentimos, que sofremos, que vivemos. E que vivemos vitórias e derrotas. Mas isso faz parte da vida. Assim como de uma das suas metáforas mais belas - o desporto. E, no fim da história, onze jogaram contra onze e fizeram sonhar milhões, anulados nas diferenças de rendimento, de estatuto, de qualificações académicas e de credos. Mas unidos em 90 minutos que valem por uma verdadeira eternidade.

Sugerir correcção
Comentar