Os suíços querem os imigrantes fora do país mas aceitam-nos na selecção de futebol

Mais de metade da equipa tem raízes estrangeiras. Que consequências terá o “sim” no referendo às quotas para imigrantes?

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Sem imigração restavam poucos jogadores à selecção suíça Extra 3 (NDR)/DR
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A selecção suíça está repleta de jogadores com origens fora do território helvético Fabrice Coffrini/AFP

Dos 50,3% de eleitores suíços que votaram a favor da imposição de quotas para imigrantes da União Europeia, no referendo do passado fim-de-semana, quantos serão adeptos de futebol? E, desses, quantos terão consciência das implicações que uma tal medida teria para a selecção helvética? É que uma fatia significativa da equipa orientada por Ottmar Hitzfeld – que se qualificou com distinção para o Mundial 2014 ao vencer o Grupo E de apuramento sem sofrer qualquer derrota – é constituída por filhos de imigrantes. Rejeitar a livre circulação na União Europeia é o equivalente a sacrificar a prestação desportiva da equipa nacional, que disputará no Brasil, pela terceira vez consecutiva, a fase final de um Campeonato do Mundo.

A questão foi ilustrada de forma esclarecedora numa imagem do portal satírico Extra 3, da televisão regional alemã NDR: pegando na foto da equipa que alinhou de início num particular frente à Coreia do Sul, em Novembro de 2013, o Extra 3 apagou os jogadores cujas origens não estão na Suíça. Jogadores como Tranquillo Barnetta, Gökhan Inler ou Diego Benaglio “desapareceram” e sobravam apenas três futebolistas no “onze”. “Com três homens no Mundial?”, questionava-se no título. “O treinador [alemão] Ottmar Hitzfeld também não estaria na foto, naturalmente! Xherdan Shaqiri, habitual titular, ficou excepcionalmente de fora neste jogo, por isso removemos outro jogador no lugar dele”, explicava ainda o portal alemão. O artigo, publicado no início desta semana, já tinha merecido até ontem à noite 143 comentários. E a imagem começou a circular rapidamente pelas redes sociais.

A neutralidade fez da Suíça um destino apelativo para a imigração ao longo do século XX, nomeadamente para os refugiados dos conflitos nos Balcãs, na década de 1990. Isso, aliado ao forte investimento que a Suíça fez no futebol de formação sensivelmente nessa mesma altura, está agora a reflectir-se na composição da equipa helvética.

“Sem multiculturalismo a Suíça não estaria no Campeonato do Mundo, escreveu Ishaan Tharoor na revista Time, num texto com o qual pretendia demonstrar o que há de errado com a “histeria anti-imigração na Suíça”. “O núcleo dinâmico do futebol suíço é um produto directo de políticas viradas para fora, que aceitaram imigrantes e acolheram os refugiados dos conflitos nos Balcãs nos anos 1990. Uma pequena maioria dos suíços pode estar ressentida pela incursão de grupos tradicionalmente não-suíços na sua sociedade, mas serão poucos os que se queixam quando Shaqiri, Inler e companhia vestem a camisola da equipa nacional”, podia ler-se.

“Os filhos dos imigrantes, árabes, portugueses, espanhóis, sul-americanos, são um reforço importante. As segundas e terceiras gerações estão a aparecer agora e dão outras características, como maior criatividade”, explicava João Alves ao PÚBLICO, em 2009 – durante três temporadas o treinador português orientou o Servette no principal escalão do futebol helvético.

Metade da selecção
Dados do Eurostat relativos a 2012 mostram que havia na Suíça ligeiramente mais de dois milhões de pessoas nascidas fora das fronteiras helvéticas – um quarto da população. Mas, dentro das quatro linhas, essa percentagem é mais elevada. Do total de 26 jogadores utilizados por Ottmar Hitzfeld durante a qualificação para o Mundial 2014, mais de metade tem raízes fora da Suíça. Alguns exemplos: Johan Djourou (nascido na Costa do Marfim mas que foi viver com o pai para a Suíça quando tinha um ano e meio), Ricardo Rodríguez (filho de pai espanhol e mãe chilena, nascido em Zurique) ou Gelson Fernandes (que representou o Sporting em 2012-13 e nasceu em Cabo Verde).

O grupo dos jogadores com ascendência turca ou dos Balcãs é o mais numeroso. E é aquele que, a médio prazo, pode colocar o maior desafio para a selecção suíça. Dele fazem parte as principais figuras da equipa, como Gökhan Inler e Xherdan Shaqiri. Este último, aliás, celebrou a conquista da Liga dos Campeões 2012-13, ao serviço do Bayern Munique, com duas bandeiras: uma da Suíça e outra do Kosovo.

Em Janeiro, o comité de emergência da FIFA autorizou os clubes e selecções kosovares a disputarem jogos particulares com equipas de federações reconhecidas pelo organismo que tutela o futebol mundial. “Assim que o Kosovo se tornar membro de pleno direito da UEFA e da FIFA, será nossa obrigação moral abrir as portas aos jogadores que nasceram aqui ou têm origens kosovares”, garantiu o secretário-geral da Federação kosovar, Eroll Salihu. O primeiro jogo está marcado para 5 de Março, com o Haiti.

Candidatos não hão-de faltar nos vários escalões do futebol suíço. E há precedentes, como o jovem Amir Abrashi, que alinhou nas selecções jovens da Suíça mas decidiu jogar pela equipa nacional da Albânia.

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