Os primeiros campeões do Estádio Mané Garrincha

Os operários que trabalharam na reconstrução do recinto para o Campeonato do Mundo organizaram o seu próprio Mundial. O documentário “Operários da Bola” conta a história

O Mundial dos operários

Muito antes de chegarem os craques, muito antes dos golos que o mundo inteiro viu, muito antes até de as bancadas estarem concluídas, o Estádio Nacional de Brasília – mais conhecido por Estádio Mané Garrincha – já era palco de futebol. Os operários que trabalharam na reconstrução do recinto organizaram entre eles uma competição que envolveu 60 equipas masculinas, cada uma com o nome de um país, e mudou a vida de alguns deles. Um pequeno relvado instalado no centro do recinto ainda em obras, num cenário de cimento, metal e gruas marcado pela cor laranja da terra e dos uniformes dos operários, foi o palco de toda a magia.

A Copa Solidária dos Operários da Bola (que teve também um torneio feminino, com quatro equipas) foi registada por Virna Smith num documentário que vai muito além do futebol: mostra todo um Brasil longe dos holofotes, nos bastidores da organização do Mundial; a realidade crua do trabalho anónimo dos operários, muitos deles deslocados; os laços que criam e as pequenas alegrias de homens crescidos que não deixam de sonhar ser jogadores de futebol. “Apesar dos pesares, apesar da tristeza e da frustração, apesar de tudo isso as pessoas continuam a levar a vida e ‘fazendo do limão uma limonada’”, disse ao PÚBLICO a realizadora do documentário “Operários da Bola”, após uma exibição da película no Tribunal Superior do Trabalho, em Brasília.

O futebol, já se sabe, é paixão nacional no Brasil. E, no estaleiro de obras do Mané Garrincha, ninguém fugia à regra. A ideia de organizar um torneio partiu de “Boiadeiro”, uma das personagens retratadas no documentário: “Mesmo cansado, resolvi organizar esse campeonato. O que me chateia é quem só faz isso e não faz direito”, atirou o ex-operário das obras do recinto em Brasília, realçando que desde o início houve um objectivo solidário. Quem participou na Copa Solidária teve de entregar alimentos não perecíveis que foram doados a instituições de solidariedade da região. Foi angariada mais de uma tonelada.

Cada equipa levava o nome de um país. “Aí, havia brasileiros torcendo pelos EUA. Outros pelo Congo! Isso foi uma coisa sensacional. Além disso eles estavam a conhecer países – uma equipa era Portugal, outra era a França – nem torciam mais pelo Brasil. Diziam: ‘A gente torce pelo Brasil, mas nesse campeonato eu torço pela França!’, recordou Virna Smith. Formada em Psicologia, estudou depois Cinema e Media digitais e durante um ano e meio mergulhou neste projecto. “Comecei a filmar em Abril de 2012. Queria fazer um documentário para a massa, porque não há muita gente a ver documentários aqui”, confessou a cineasta brasiliense.

Este filme, para além do apelo do futebol, conta também personagens muito ricas, que tanto arrancam gargalhadas como deixam a audiência comovida. “O ‘Bala’ tinha sido jogador de futebol profissional. Jogou na Bélgica, jogou no Atlético Mineiro e veio ser operário para jogar no estádio em construção para a Copa. Ele não era operário antes”, contou Virna Smith. “O ‘Vavá’ agora é empresário. Fez as camisolas do documentário, montou uma confecção com a mulher e já não quer ser operário! O Filliphe, que tinha tido oportunidade de jogar no Bahia mas a mãe não quis deixá-lo ir, agora é produtor musical. Disse que não ia deixar passar o segundo sonho dele”, prosseguiu a realizadora.

O documentário foi resultado de um “trabalho de dedicação”, admitiu ainda Virna Smith. Houve duas antestreias “grandes”, acrescentou a cineasta, e o filme esteve mais de um mês em cartaz. A distribuição em dvd está para breve.

“Este torneio foi caso único. Não houve um campeonato destes em nenhuma das outras 11 arenas, só aqui no Mané Garrincha. Houve umas futeboladas, claro, mas nada assim organizado, com prémios, medalhas... nada disso”, concluiu a realizadora. No campeonato dos operários a final foi disputada entre Brasil e França e, após empate 1-1, ganharam os anfitriões nas grandes penalidades. A competição feminina também foi ganha pela “canarinha”. Um bom sinal para Scolari.

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