Os estrangeiros e a sua participação em competições federadas

1. A participação de estrangeiros, em particular de cidadãos europeus, em competições organizadas por federações desportivas, é tema que ainda não alcançou um patamar de análise global no nosso Direito. A intenção deste espaço é, pois, o de recolocar o tema, agora com um adicional espanhol, de molde a abrir o “apetite” a terceiros.

2. A Constituição estabelece o estatuto dos estrangeiros, adiantando, como regra, que os mesmos, que se encontrem ou residam em Portugal, gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português. Porém, encontram-se excepcionados, para além de outros, os direitos e deveres reservados pela Constituição e pela lei exclusivamente aos cidadãos portugueses. Assim sendo, tendo em conta o direito fundamental (“de todos”) ao desporto (artigo 79.º), não é difícil concluir pela existência de um direito dos estrangeiros a participar nas competições desportivas federadas.

Por outro lado, no âmbito do Direito Europeu, como é bem sabido, vigora o princípio da não discriminação que muitas implicações tem tido no âmbito da actividade desportiva federada.

3. A nossa lei dispõe, contudo, de norma que enforma esta participação desportiva. O artigo 62.º, n.º 2, do regime jurídico das federações desportivas, estabelece que as competições organizadas pelas federações desportivas, ou no seu âmbito, que atribuam títulos nacionais ou regionais, são disputadas por clubes ou sociedades desportivas com sede no território nacional, só podendo, no caso de modalidades individuais, ser atribuídos títulos a cidadãos nacionais.

4. Uma recente decisão da Audiencia Nacional espanhola, apreciou um recurso que, embora com as especificidades próprias do direito espanhol, não deixa de trazer dados relevantes para pensar (e repensar) a questão.

Impugnou-se um acto do Governo espanhol que autorizou a Real Federación Española de Taekwondo a adoptar medidas, possibilitadas pela lei, no sentido de criar regras a favor do cidadão espanhol.

A norma legal em causa, em tradução livre e resumida, determina que as federações desportivas devem eliminar qualquer obstáculo ou restrição que impeça ou dificulte os estrangeiros (e seus familiares) de participar em actividades desportivas não profissionais. Porém, excepcionalmente, o Consejo Superior de Deportes pode autorizar medidas de acção positiva fundadas em exigências e necessidades derivadas do desporto de alto rendimento e da função representativa de Espanha.

5. No caso concreto, foi autorizada a restrição da participação de estrangeiros nos campeonatos de Espanha (absolutos, sub-21, júnior e cadetes), afirmando-se que tais competições sempre foram “utilizadas” para compor as selecções nacionais que representam a Espanha nas competições internacionais relevantes da época desportiva.

6. Que decidiu o tribunal espanhol?

Partindo da análise das normas federativas - desde logo dos critérios estabelecidos pela Comissão Técnica da federação para integrar as selecções nacionais -, teve como óbvio que os fundamentos apresentados para impedir a participação de estrangeiros não se revelam necessários para alcançar o objectivo de formar equipas nacionais. Por outro lado, enfatizou o facto de o recorrente ser um cidadão europeu, recorrendo aqui à jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia. Em consequência, veio a ser decidida a anulação do mencionado acto do Governo.

7. Como afirmámos inicialmente, o presente texto procura, acima de tudo, apelar à leitura atenta do “estatuto do praticante desportivo estrangeiro” em ambiente federado. Haja quem, assim espero, invista nesse necessário estudo. josemeirim@gmail.com

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