Os árbitros e a liberdade de expressão

1. Por toda a imprensa desportiva – e indo mais além – ganhou espaço alargado a notícia de que a um árbitro teria sido negada, pelo órgão federativo com competência na área da função de arbitragem, autorização pra conceder entrevistas a órgãos da comunicação social.

Não sabemos – este é um pressuposto fundamental das linhas que se seguem – se a notícia corresponde à realidade. Nem, em bom rigor, nos interessa e influi no que a seguir alinhamos. Tal notícia é, para nós, somente uma hipótese de trabalho.

2. A liberdade expressão é, ninguém ousará colocar a afirmação em causa, um valor que recolhe ampla garantia na Constituição da República Portuguesa e em diversos instrumentos internacionais dos Direitos do Homem. Não sendo um valor absoluto – haverá algum? – representa um dos mais impressivos na vivência social de um Estado de Direito Democrático e reveladoras da dignidade da pessoa humana: todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio sem impedimentos nem discriminações. O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura. Por outro lado, ao nível do texto fundamental, recolhem-se restrições explícitas no que respeita ao seu exercício por militares e agentes militarizados dos quadros permanentes em serviço efectivo, bem como por agentes dos serviços e das forças de segurança. Sempre, em todo o caso, estabelecidas por lei e na estrita medida das exigências próprias das respectivas funções.

3. O exercício da liberdade expressão no universo do desporto federado, nacional, estrangeiro e internacional, é tema que merece, pois, uma análise cuidada, mas sempre guiada pela afirmação do direito fundamental e pelo seu enquadramento constitucional. Quando uma pessoa titula uma licença desportiva de determinada federação desportiva, a mesma não só fica autorizada a exercer uma precisa actividade, seja a de árbitro seja outra, mas, do mesmo passo, integra-se numa organização dotada de um bem significativo conjunto de normas. Tais normas, contudo, não podem ofender o texto constitucional e os Direitos do Homem.

4. Sendo compreensível, e porventura admissível, que à luz de específicos fundamentos objectivos, se admita alguma restrição – veja-se, a este propósito, a norma que estabelece o dever do árbitro de não emitir declarações ou opiniões públicas, em qualquer local e sem autorização prévia, sobre matérias de natureza técnica ou disciplinar relativas a qualquer jogo -, já não se revela admissível a exigência de autorização prévia fora de um restrito âmbito.

5. O caminho que temos por adequado e consentâneo com a dignidade da liberdade de expressão, não pode passar, pois, pela exigência de autorização prévia para emitir declarações, como princípio geral. Se assim for, viola-se ostensivamente, aquela liberdade e o texto constitucional.

Por outro lado, se do exercício dessa liberdade de expressão resultarem indícios de infracção disciplinar, em certo sentido se ocorrer um «abuso dessa liberdade», aí estará, pronto a actuar, todo o arsenal de normas disciplinares.

Não nos parece, pois, haver outra via.

josemeirim@gmail.com

Sugerir correcção
Comentar