O ténis de praia não é o mesmo que jogar raquetes à beira-mar

Actuais campeões nacionais reclamam um lugar cativo da modalidade no desporto português, pedindo mais apoio e incentivo da Federação Portuguesa de Ténis.

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A dupla campeã nacional de ténis de praia, composta por Henrique Freitas (à esquerda) e Pedro Maio Fernando Veludo

Quem se deslocou ao Clube de Ténis de Ovar no dia 14 do mês passado encontrou um ambiente que não podia ser mais descontraído: risos, palmas, frases de encorajamento, muita conversa trivial e música non stop. Decorria o último torneio internacional de ténis de praia disputado em Portugal esta temporada, como parte do calendário da International Tennis Federation (ITF), a entidade encarregue pela regulação da modalidade e dos torneios que se realizam em todo o mundo.

Entre as 12 duplas masculinas que disputaram este torneio de categoria G4 estavam os actuais campeões nacionais: Henrique Freitas e Pedro Maio. São os portugueses mais bem colocados no ranking mundial do ténis de praia – 78.º lugar para Freitas e 80.º lugar para Maio – e juntos alcançaram o oitavo lugar no último Europeu da modalidade, disputado em Eilat, Israel, naquela que foi a primeira participação da dupla numa competição do género.

Henrique tem 24 anos. Tirou a licenciatura em Economia e mestrado em Gestão. Está a trabalhar em Lisboa na área da consultoria mas é natural de Ovar. Pedro é estudante, está a terminar o mestrado em Actividade Física para a Terceira Idade na Universidade do Porto, e tem 22 anos. É da Póvoa de Varzim. Aproveitam todas as vagas para se treinarem mas raramente o fazem juntos.

Ambos entraram no ténis de praia já depois de terem praticado ténis durante alguns anos e foi apenas no início deste ano que formaram parceria, uma ideia que partiu de ambos: “Éramos amigos fora do campo e sabíamos do potencial que cada um tinha. Falámos, vimos que os nossos objectivos para o desporto estavam alinhados e avançámos”.

A próxima meta é renovar a conquista do título nacional no próximo ano, mas também “jogar o maior número de provas lá fora, nomeadamente o campeonato do mundo por selecções e o campeonato do mundo por equipas”. Até porque para a dupla, a projecção internacional é a grande meta, delegando para patamares secundários a expansão da modalidade em Portugal.

“Não temos ajuda de ninguém. Estou a tentar criar uma escola na Póvoa [de Varzim] e é a Câmara que não deixa, é a praia que está sob o controlo da Polícia Marítima, que depois tem que falar com o dono do bar e o dono do bar com a Câmara… E está ali um círculo sempre a encravar. A Federação [Portuguesa de Ténis] não ajuda e está tudo a empatar a modalidade”, relata, indignado, Pedro Maio. Para Henrique Freitas, “a modalidade ainda não assumiu uma posição preponderante junto da federação de ténis”.

No país, não há uma escola de ténis de praia, e apenas três clubes têm campo adequado à prática da modalidade. E campos indoor para permitir os treinos em dias de Inverno? “Não há. E não paramos. Treinamos ao frio”, revela o jogador da Póvoa de Varzim. “Treinamos de collants e camisolas térmicas de licra. Não há indoor porque é um investimento que não compensaria fazer neste momento, tendo em conta o estádio da modalidade em Portugal”, acrescenta Henrique.

Dino Almeida, coordenador nacional do ténis de praia ao serviço da Federação Portuguesa de Ténis, é a única pessoa da entidade que consegue dar informações referentes à modalidade, tal como foi dito ao PÚBLICO. Numa rápida conversa via telefone, o responsável considerou a modalidade “adormecida” e diz-se “cansado da bandeira do ténis de praia”, que carrega há três anos “por passatempo, a custo zero”.

E é quando perguntamos aos atletas o que falta à modalidade em Portugal, que se impõe um registo mais sério com a reclamação de maior apoio por parte da federação. “Falta incentivo da federação! Tem que partir deles e não de nós jogadores. Agora, tudo o que se faz parte de nós e nada deles”, diz Pedro. “Falta estrutura, faltam apoios, falta convencer e publicitar a modalidade às pessoas que jogam desportos de raquetes e desportos de praia”, responde o par de Ovar.

Para que seja possível alterar a abordagem da modalidade, os dois jogadores consideram essencial a criação de mais escolas em Portugal e a realização de torneios interclubes, com intercâmbio de atletas, “para o nível médio de duplas evoluir e assim permitir que as melhores duplas melhorem”.

Só assim poderia haver hipótese de chegar ao nível da Itália ou Brasil, nacionalidades dos jogadores que lideram o ranking mundial e que “vivem daquilo”, porque a modalidade nesses países “está numa fase muito mais evoluída do que cá em Portugal e, se calhar, do que será sempre”.

Henrique Freitas considera esta uma missão “impossível”. Mesmo o "top-20" ou "top-30" é, para o jovem, “muito difícil, porque é um grupo ocupado por profissionais que passam o dia de raquete na mão, a treinar e a dar treinos”.

Pedro Maio mostra-se um pouco mais optimista: “A nível de qualidade, "top-20" eu acredito. Só que é preciso fazer muitos torneios lá fora e como não temos ajuda financeira é muito difícil. "Top-10" é difícil mas "top-20"…”.

Apoios externos só mesmo para Henrique que começou este ano a ser patrocinado por uma marca italiana depois de ter participado num torneio em Marrocos. “Abordaram-me e perguntaram-me se gostaria de ser patrocinado. Disse obviamente que sim e pronto. Através de um intermediário da Póvoa [de Varzim], facultaram-me material e coisas da marca. O que não é nada mau”, conta o atleta.

Regras de um desporto exigente
“É um deporto que exige muito treino, muita técnica, desafiante a nível mental e divertido, essencialmente”. Quem o diz é Henrique Freitas, que acrescenta que esta é uma modalidade que permite não só conhecer muitas praias como desenvolver em muito a capacidade física.

A prática do ténis de praia, que começou em Portugal em 2005, surgiu em Itália na década de 1980 e, segundo informações do Núcleo Beach Tennis Explosion, “hoje, existe mais de um milhão de praticantes espalhados pelo mundo”. Em Portugal, e de acordo com informações dadas por Dino Almeida, são cerca de 70 os atletas profissionais, sendo que o número de federados está próximo dos 40.

Com a Federação Portuguesa de Ténis a assumir a responsabilidade pela modalidade em 2007, actualizando as regras em coerência com as normas internacionais do ITF, disputa-se em Portugal, todos os anos, o campeonato nacional, sendo que todas as restantes provas são organizadas por clubes e associações por iniciativa própria e de forma autónoma.

Disputado num campo com “dimensões semelhantes às do voleibol de praia”, como descreve Henrique Freitas, separado a duas metades por uma rede de 1,70 metros, é jogado a pares – masculinos, femininos ou mistas – e singulares. Também o material difere do habitual no ténis, com raquete e bola padronizadas.

Ninguém melhor que os campeões nacionais para explicar o ténis de praia, admitindo que são capazes de explodir de cada vez que alguém pergunta se a bola pode bater no chão. Não pode.

“É mais parecido com o badminton e nem tanto com o ténis. A bola tem que passar por uma rede à altura do nariz mais ou menos e depois é servir e jogar sempre em cima”, explica Pedro Maio.

“É jogado a duplas, dois contra dois, que não podem passar a bola entre si. Têm que passar sempre a bola para o lado de lá. As pessoas imaginam o ténis de praia como jogar raquetes à beira mar. Raquetes de madeira e dar toques a ver quantas bolas conseguem passar... E não tem nada a ver com isso”, acrescenta Henrique Freitas.

Se houver interessados em experimentar a modalidade, os atletas afirmam-se disponíveis e revelam que “há sempre raquetes nos torneios para as pessoas experimentarem, assim como campos livres”.

Texto editado por Jorge Miguel Matias

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