O St. Pauli acredita em “Lenine”

Na última época, Ewald Lienen salvou a equipa de Hamburgo da descida e colocou-a em lugar de promoção na presente temporada.

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Lienen: "Identifico-me com o clube porque concordo a 100 por cento com a sua filosofia DR

Como jogador, Ewald Lienen representou quatro clubes, todos na Alemanha, durante mais de 20 anos. Como treinador, tem tido uma carreira bastante mais itinerante, com passagens por Espanha, Grécia, Roménia, para além de ter treinado muitos clubes alemães. Mas só em Dezembro do ano passado é que chegou ao clube que parece ter nascido para treinar, ou não fosse a sua alcunha “Lenine” e o clube em causa o St. Pauli, considerado, em termos ideológicos, como um dos clubes mais à esquerda do futebol mundial. A aparente consonância de ideias está a dar frutos desportivos. O St. Pauli está a fazer um início de época que lhe permite pensar num regresso à I Divisão.

Lienen foi um futebolista de alguma projecção – era médio ofensivo - e carreira longa. Nunca chegou à selecção, mas fez parte de uma grande equipa do Borussia Moenchengladbach no final dos anos 1970 e princípio dos anos 1980, juntamente com Jupp Heynckes, Berti Vogts e outros – o seu melhor momento foi a conquista da Taça UEFA em 1979. Mas também era um jogador com consciência política. Foi, por exemplo, um dos fundadores do sindicato dos jogadores na Alemanha, e também foi candidato às eleições para o Parlamento Europeu em 1984, por uma coligação de esquerda, “Die Friedenliste” (“A Lista da Paz”).

Por tudo isto, e também pela semelhança do seu nome com o de um certo revolucionário comunista russo, chamavam-lhe “Lenine”. “Diziam que ele estava muito próximo do Partido Comunista alemão, e devido à sua personalidade e apelido parecido, chamava-lhe ‘Lenine’. Mas ‘Lenine’, o futebolista, era mais um pacifista de esquerda que um comunista ortodoxo”, conta Quique Peinado no seu livro “Futebolistas de Esquerda”.

Ainda como jogador, Lienen foi alvo daquela que é considerada uma das entradas mais brutais da história do futebol. Foi em Bremen, em 1981, como médio do Arminia Bielfeld, numa disputa de bola com Norbert Siegmann. Foi uma falta de tal forma brutal que se ficaram a ver os músculos da coxa de Leinen em carne viva. A quente, Lienen ainda se levantou algumas vezes, para pedir satisfações ao seu agressor (que viu apenas um cartão amarelo) e ao treinador adversário. Depois, acabaria por sair de maca, mas a lesão foi menos grave do que parecia. Três semanas depois, já estava de volta aos relvados.

Avancemos até 2013. Lienen é treinador do AEK de Atenas, um clube também ele identificado com uma ideologia de esquerda. A 16 de Março, Giorgios Katidis, um jovem médio de 20 anos, marca um golo que dá uma vitória ao AEK e celebra com a saudação nazi. Desse gesto resultou uma proibição para toda a vida de representar a selecção grega – tinha sido internacional nas selecções jovens – e uma saída imediata do AEK. Lienen, com todo o seu passado, até nem foi demasiado duro com Katidis, que, depois de ter estado um ano em Itália, voltou ao futebol grego, representando o Levandiakos. “Não sabia o que estava a fazer. Foi estúpido e imaturo e é imperdoável num clube como o AEK, com raízes anti-fascistas.”

Da Grécia, Lienen ainda andou pelo futebol romeno e, em Dezembro do ano passado, aterrou em Hamburgo, para treinar o “outro” clube da cidade, o St. Pauli, popular nacional e internacionalmente, mas de poucos méritos desportivos. Não tendo nascido assim, o St. Pauli transformou-se no exemplo de um clube conotado com uma ideologia de esquerda porque começou a ser seguido por adeptos dissidentes do Hamburgo e da sua conotação com movimentos neonazis no início dos anos 1980. Foi nesta altura que o clube, localizado num bairro pobre da cidade, começou a ser popular e que ganhou o símbolo pelo qual é conhecido, o símbolo dos piratas, caveira e ossos.

O St. Pauli não tem um currículo relevante em termos de títulos e a sua presença no escalão máximo do futebol alemão tem sido esporádica – apenas duas participações nos últimos 15 anos. A meio da última época, o St. Pauli estava em sério risco de descer quando Lienen chegou ao clube. No final da época, todos festejaram a manutenção, com um ponto acima da linha de água e, após nove jornadas em 2015-16, ocupam o terceiro lugar da segunda divisão, com os mesmos pontos do segundo (Bochum) e a dois pontos do primeiro (Friburgo).

Ainda será cedo para traçar alguma meta, mas não há dúvida que os “piratas” estão a dar-se bem com Lienen. “Sou uma daquelas pessoas que acredita que as coisas acontecem na vida por um motivo. Não digo que toda a minha vida estive a preparar-me para vir para o St. Pauli. Mas identifico-me com o clube porque concordo a 100% com a sua filosofia.”

Planisférico é uma rubrica semanal sobre histórias de futebol e campeonatos periféricos

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