O risco de Fernando Martins e a revolução de Eriksson

A história do bicampeonato conquistado pelo Benfica em 1983 e 1984 e que começou com uma aposta de risco num sueco quase desconhecido.

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Fernando Martins queria Pedroto, mas não conseguiu convencer o “Zé do Boné” e optou por um novato chamado Sven-Goran Eriksson. O jovem sueco não era um total desconhecido, depois de ter conquistado a Taça UEFA com o IFK Gotemburgo, mas não deixava de ser uma aposta arriscada para uma equipa que queria voltar aos títulos. Quando chegou “num quente dia de Junho” de 1982, tinha centenas de pessoas à sua espera no aeroporto, conta Eriksson na autobiografia. Dois anos depois desse dia de Junho, a aposta presidencial tinha sido um sucesso quase total. O Benfica de Eriksson foi bicampeão, ganhou uma Taça de Portugal e esteve muito perto de uma conquista europeia.

Eriksson foi um revolucionário, como diz ao PÚBLICO Álvaro Magalhães, defesa-esquerdo dessa equipa bicampeã. Mas não foi só isso. “Era um jovem com ideias novas, mas teve a sorte de ter uma equipa de grande nível”, conta o antigo internacional português, um dos 18 bicampeões com Eriksson nesses dois anos - na segunda, Álvaro foi, inclusive, o jogador mais utilizado, cumprindo todos os minutos de todos os jogos em todas as competições, o único a fazê-lo. Eriksson fez poucas mudanças de um ano para o outro e manteve o núcleo duro da equipa.

Voltemos à autobiografia de Eriksson. Quando chegou, o sueco achou que tinha jogadores a mais (45, segundo os seus próprios números) e tinha de dispensar uma parte substancial deles. “O clube estagnara. Eram precisas ideias novas, uma revolução.” O Benfica queria dar-lhe Fernando Caiado como adjunto, mas Eriksson preferiu ficar com Toni, “um pensador” que “vivia para o futebol” e que falava inglês. Com Eriksson, recorda Álvaro, acabaram-se os treinos na mata do Jamor: “Com outros treinadores estávamos habituados a ir para a mata. Treinávamos no campo, quase sempre com bola. ‘O Estádio Nacional é bom para fazer piqueniques’, era o que ele dizia.”

Eriksson fez a triagem, mas ficou com as grandes “estrelas”, Bento, Humberto Coelho, Chalana, Nené, Shéu, Carlos Manuel, Diamantino, entre outros, e acrescentou-lhe um seu compatriota, o médio Glen Stromberg. O Benfica abriu o campeonato de 1982-83 com 11 vitórias consecutivas e só perdeu pontos à 12.ª jornada, com um empate em Alcobaça. À 13.ª veio a única derrota, em Alvalade frente ao Sporting, mas foram raros os soluços. Um empate sem golos nas Antas à 24.ª ronda colocou o Benfica perto do título, que seria confirmado com um triunfo em Portimão à 28.ª jornada, depois de uma época intensa de luta com o FC Porto, que cumpria a sua primeira época sob a liderança de Jorge Nuno Pinto da Costa.

Carlos Manuel marcou o único golo desse jogo, poucos dias depois de ter perdido a final da Taça UEFA com um empate na Luz com o Anderlecht, no jogo da segunda mão. “Carlão” voltaria a ser decisivo ao marcar o único golo no triunfo benfiquista na final da Taça de Portugal, um jogo que se disputou no Estádio das Antas, em Agosto. Tirando a frustração europeia (que seria recorrente nas décadas seguintes), o ano de estreia de Eriksson esteve bem perto da perfeição. Palavra a Álvaro Magalhães: “A preparação psicológica logo no início da época foi fundamental. No balneário pensávamos todos: este ano é para ganhar.”

Para a segunda época do sueco foram poucas as alterações. A uma equipa vencedora, acrescentaram-se os golos do dinamarquês Michael Manniche, mas a base era a mesma. Mas houve um grande contratempo. Humberto Coelho, o grande líbero e capitão de equipa lesionou-se com gravidade num jogo da selecção e apenas fez dois jogos – os últimos da sua carreira. “É evidente que sentimos a falta dele. O Humberto Coelho era o capitão, o líder e um grande jogador. Mas entrou o Oliveira, que se adaptou facilmente e rendeu a um alto nível”, conta Álvaro.

O arranque foi igualmente dominador. Dezoito vitórias e dois empates nas primeiras 20 jornadas e o primeiro desaire só aconteceu à 21.ª ronda, por 3-1 nas Antas, com o FC Porto. Tal como na época anterior, os dois rivais andaram sempre muito próximos na classificação. Uma derrota por 4-1 em Guimarães atrasou as celebrações, mas a jornada seguinte, na Luz frente ao Sporting, podia espoletar a festa. Uma vitória sobre os “leões” bastava para o Benfica ser campeão sem pensar no que se iria passar no derby da Invicta entre FC Porto e Boavista.

Aquela tarde de 6 de Maio de 1984 foi digna de um thriller. No Bessa, Fernando Gomes, de penálti, coloca o FC Porto na frente aos 17’, exactamente o mesmo minuto em que Chalana, na Luz, faz o mesmo para o Benfica. Bento, o guardião que também era o marcador de penáltis, falha da marca dos 11 metros o 2-0. Na segunda parte, o Boavista consegue dar a volta por Jorge Silva aos 70’ e Almeidinha aos 81’, enquanto na Luz Kostov já tinha feito o empate para o Sporting, aos 66’.

A três minutos do fim, o Sporting tem a possibilidade de ganhar o jogo, com um penálti. Jordão foi o marcador designado e Bento, seu antigo colega de equipa, sabia como ele marcava os penáltis. “Com uma passada larga, punha o pé muito perto da bola […], ficava com a perna no ar, deixava cair o guarda-redes e encostava a bola à vontade”, contava o já falecido Bento no livro A Luz não se apaga. Jordão falhou dos 11 metros, o FC Porto não recuperou no Bessa e depois do apito final do árbitro Marques Pires é que o Benfica festejou o “bi”. 

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