O que mais distingue Cristiano Ronaldo dos outros? A potência

Testes em laboratório realizados em 2006, e agora revelados pela primeira vez, mostram capacidade acima da média na impulsão, velocidade e força de remate.

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Ronaldo celebra a vitória na Liga dos Campeões de 2013-14, deixando clara toda a sua imponência física REUTERS/Sergio Perez
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A técnica de remate típica de Ronaldo DANI POZO/AFP
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Exemplos da impulsão de Cristiano Ronaldo Juan Medina/reuters
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Juan Medina/Reuters
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A elasticidade de Ronaldo Dani Pozo/AFP
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O físico de Ronaldo num grafitto na Índia Rupak De Chowdhuri/Reuters

Citius, Altius, Fortius (mais rápido, mais alto, mais forte). O lema olímpico serve na perfeição para descrever o que, do ponto de vista atlético, mais destaca Cristiano Ronaldo dos outros futebolistas. “A potência é o factor que mais distingue o Cristiano Ronaldo. Faz com que seja mais rápido no deslocamento, salte mais alto e remate a maior velocidade”, afirma António Veloso, director do Laboratório de Biomecânica e Morfologia Funcional da Faculdade de Motricidade Humana (FMH) de Lisboa.

Esta conclusão é baseada não só na observação das exibições do jogador português, mas especialmente em testes em laboratório realizados com a selecção portuguesa em 2006 e agora revelados pela primeira vez. Os resultados de Cristiano Ronaldo não são propriamente uma surpresa para quem acompanha o futebol, mas comprovam que, há oito anos, ele já estava bem acima média dos companheiros da equipa nacional portuguesa.

Um dos testes realizados foi o salto na vertical. Num caso, os jogadores saltaram partindo de uma posição parada, com os joelhos ligeiramente flectidos; no outro, saltaram igualmente sem corrida, mas estando com as pernas esticadas e agachando-se de seguida para ganhar algum balanço. Em ambas as situações, Cristiano Ronaldo superou largamente os companheiros de selecção, de que faziam parte jogadores como Figo, Deco, Nuno Gomes ou Simão Sabrosa. No primeiro salto, Ronaldo conseguiu 58 cm (contra uma média de 36 cm dos outros jogadores) e no segundo 61 cm (média de 39 cm dos restantes).

“Aquele salto é um teste que tem uma grande co-relação com a capacidade de sprint. Mostra a capacidade de se projectar a si próprio”, diz ainda António Veloso, acrescentando que o futebolista do Real Madrid e da selecção portuguesa apresenta dados que o aproximam mais “dos sprinters e dos saltadores do que do jogador de futebol típico” — o livro CR7 - Os Segredos da Máquina lança uma pista curiosa, afirmando que os médicos do Real Madrid detectaram no português o predomínio das fibras de tipo II, muito presentes nos velocistas, especialmente os negros, algo que poderá estar ligado ao facto de Ronaldo ter uma bisavó nascida em Cabo Verde.

Do ponto de vista da morfologia, Cristiano Ronaldo é "ecto-mesoformo". “Isso significa que é um indivíduo predominantemente longilíneo, mas com uma massa muscular significativa. Um jogador de râguebi neo-zelandês seria o mesomorfo puro e um ectomorfo puro seria um saltador magro e alto. Ronaldo está a meio”, explica António Veloso, considerando esta uma “morfologia adequada” para um futebolista “rápido e potente”.

A capacidade velocista de Ronaldo é confirmada igualmente por um teste feito para um documentário da Castrol, chamado “Ronaldo testado nos limites” e que em Portugal foi transmitido pela SIC. Mesmo descontando alguma dose publicitária, esses testes num laboratório de Madrid em 2011 foram uma oportunidade única para medir as qualidades atléticas do capitão da selecção portuguesa. Por exemplo, num sprint de 25 metros em linha recta fez 3,61 segundos, apenas mais três décimos do que o velocista espanhol Ángel Rodríguez (3,31s). E na mesma distância em ziguezague, ganhou ao velocista, com o tempo de 6,35 segundos contra 6,86s do espanhol. O mesmo teste mostrou Ronaldo a saltar 78 cm numa impulsão, com corrida e ajuda dos braços, algo acima da média para os basquetebolistas da NBA.

Sprints a mais de 30 km/h

O laboratório de biomecânica da FMH fez ainda outra análise de Cristiano Ronaldo, num jogo da Liga dos Campeões de 2007, em que o Manchester United (já com o português na sua equipa) defrontou o Sporting. Ao todo, Ronaldo percorreu dez quilómetros em 90 minutos (algo normal), mas destacou-se por fazer 813 metros em regime anaeróbico. Ou seja, realizou 54 sprints, a velocidades entre os 5,5 e 7 metros por segundo (19,8 km/h e 25,2 km/h). E atingiu um pico de 9,1 metros por segundo (32,76 km/h). Um valor notável, na análise de António Veloso. “Ele faz 9,1 m/s durante um jogo de 90 minutos, num campo relvado, com botas de futebol. Usain Bolt no recorde do mundo dos 100 metros tocou nos 12,2 m/s (43,9 km/h)”, destaca o professor de biomecânica. “Não nos enganemos. Ele não vai a uma final de 100m nos Jogos Olímpicos, mas enquanto futebolista é extraordinariamente rápido”, diz António Veloso, que vê Ronaldo como um atleta com particulares semelhanças com os corredores de 400 metros: velozes e com capacidade de resistência.

A capacidade física de Ronaldo reflecte-se ainda noutro aspecto, bem visível no facto de marcar muitos golos nos últimos 15 minutos dos jogos. “A fadiga é um factor que faz cometer erros. Alguém com muita capacidade física, tenderá a cometer menos erros”, aponta António Veloso.

Além da capacidade de impulsão, da velocidade e da aceleração, há outro aspecto em que a potência de Cristiano Ronaldo lhe dá especiais condições para o futebol: no remate. Os livres do português são, talvez, o elemento mais estudado da sua performance. O laboratório de biomecânica da FMH analisou alguns livres directos de Cristiano Ronaldo, incluindo um no jogo da Liga dos Campeões de 2009-10 frente ao Zurique. Cristiano Ronaldo bateu na bola a 67,4 km/h e esta atingiu um máximo de 134 km/h, um valor muito elevado.

A par da velocidade que imprime à bola, o português destaca-se pela técnica que usa na marcação do livre. Ronaldo bate a bola rodando o tronco para um lado e as pernas para o outro. “Funciona como se fosse uma mola de torção, o que lhe permite imprimir mais velocidade à bola”, explica António Veloso, sublinhando que, ao contrário de outros jogadores, Ronaldo não continua a correr depois de bater na bola, fazendo antes uma rotação da perna.

Outra característica de Ronaldo, já explicada ao PÚBLICO em 2010 pelo biomecânico inglês Ken Bray, é o facto de Ronaldo muitas vezes rematar no centro da bola. Isto faz com que o esférico rode menos sobre si próprio (ou seja, leva menos efeito), o que o torna mais susceptível ao ar. Resultado? A trajectória da bola é mais imprevisível para os guarda-redes, que muitas vezes se deparam com descidas súbitas da bola.

É claro que a estas qualidades físicas e técnicas, Cristiano Ronaldo junta uma habilidade especial para o futebol e capacidades mentais consideradas acima da média. O teste em Madrid para a Castrol mostrou-o ainda capaz de colocar a bola na baliza mesmo quando as luzes são apagadas a meio ou no início do cruzamento. E viu-se a facilidade e rapidez com que conduz a bola, mesmo tendo pela frente snipers a tentar alvejar a bola.

Por outro lado, também já foi sobejamente destacada a capacidade de trabalho e a procura do perfeccionismo do futebolista do Real Madrid, ilustrada por vários detalhes no livro CR7 - Os Segredos da Máquina: o português não fuma, nem bebe; faz natação para treinar a respiração; recorre a uma máquina de crioterapia (frio) para recuperar no fim dos jogos; tem uma psicóloga privada; e até usa uma máquina da NASA para simular a corrida sem o efeito de gravidade. Segredos que o ajudam a ser, como conclui o estudo do laboratório de biomecânica da FMH, “um jogador de futebol de excelência”.

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