O Kosovo, as águas verdes, a “baleia” e os pés descalços
O espírito olímpico dos atletas tem merecido recompensa, por parte da organização
Nem só os recordes e as medalhas fizeram a história dos Jogos Olímpicos do Rio. Houve outros momentos marcantes, por serem tão insólitos e até bizarros, que irão ficar gravados na memória e nas imagens que resumem este evento. Aqui ficam alguns exemplos.
“Atletinatação”, “natação de pista” ou “atletismo aquático”
Se alguma vez pensou misturar atletismo e natação numa só modalidade, não espere mais. Shaunae Miller, das Bahamas, terminou a final dos 400 metros – que lhe deu o título olímpico – a mergulhar.
Allyson Felix, a norte-americana que já conta com quatro ouros olímpicos, dominava a prova nos metros finais. Sentindo-se impotente perante Felix, a atleta das Bahamas decidiu atirar-se para o chão, em mergulho, conseguindo que o seu tronco cortasse a meta antes do da favorita Allyson Felix. Os regulamentos são polémicos, é certo, e há quem defenda que os atletas devem passar pela meta de pé, em corrida.
O facto é que Miller terminou a prova não em pé, não deitada, mas em voo, conseguindo a sua primeira medalha olímpica. “Tenho cortes e queimaduras. Isto dói”, contou Miller, citada pela AFP.
A primeira medalha de um país que, para alguns, nem isso é.
Nem todos reconhecem o Kosovo como nação. Após declarar a sua independência da Sérvia, em 2008 – dez anos depois de ter eclodido a sangrenta Guerra do Kosovo – a nação balcânica apresentou-se, pela primeira vez, nos Jogos Olímpicos. Apesar de ter uma comitiva de apenas oito atletas, este pequeno e jovem país não perdeu tempo para chegar às medalhas.
Aos 25 anos, a judoca Majlinda Kalmendi venceu o ouro na categoria -52kg. Depois de ter representado a Albânia, em Londres 2012, Kalmendi pôde participar pelo “seu” Kosovo, em 2016, no Rio de Janeiro. Nasceu em Pec, no oeste do Kosovo, e, no Brasil, um território que, curiosamente, não reconhece o Kosovo como nação independente, Kalmendi colocou o país balcânico na história dos Jogos Olímpicos.
As águas “paradisíacas”
As piscinas de água verde marcaram os primeiros dias de Jogos Olímpicos. Apesar das explicações algo confusas – e até contraditórias – as piscinas do Rio 2016 terão ficado com cor verde, graças à aplicação de um produto que estimula o surgimento de algas, sobretudo em combinação com o cloro. O facto de as piscinas do Centro Aquático Maria Lenk serem ao ar livre também não terá ajudado.
De início, apenas a piscina de saltos estava contaminada, contrastando com a piscina cristalina de pólo aquático. No entanto, o “vírus” acabou por propagar-se à piscina de pólo e natação sincronizada, colocando os atletas apreensivos quanto aos perigos para a sua saúde. A organização esclareceu que não existem riscos e as competições têm decorrido com normalidade.
Ainda assim, as imagens da água cristalina numa piscina e da água quase pluvial na outra, correram mundo e marcaram, sobremaneira, as competições de natação do Rio 2016.
A atleta do pé descalço
Se o espírito olímpico se faz de persistência, ambição e coragem, então a etíope Etenesh Diro já gravou o seu nome na história dos Olimpíadas, como um exemplo desse princípio.
Nas eliminatórias dos 3000 metros obstáculos, o Estádio Olímpico do Rio assistiu a um momento único na história dos Jogos. A atleta etíope envolveu-se num incidente involuntário com uma adversária e perdeu o sapato. Perante a dificuldade em calçá-lo de novo – e vendo as adversárias “fugir” –, Etenesh Diro seguiu caminho… descalça.
Apoiada pelo público e imperturbável pela dor, Diro terminou a prova e saiu do estádio em lágrimas, visivelmente diminuída a nível físico, mas, ainda assim, recusou a cadeira de rodas que lhe foi oferecida para sair da pista.
O protesto da delegação da etiópia acabou por fazer com que a organização deixasse Diro participar na final. O 15.º lugar não foi bom, mas Diro já tem o seu lugar na história do Rio 2016. A “cinderela” do pé descalço foi um exemplo de espírito olímpico.
“Robel, a Baleia”
Quem vê uma prova de natação estará, certamente, a contar ver um atleta forte, com músculos definidos e com um porte físico imponente. O etíope Robel Habte contrariou tudo isto, no Rio de Janeiro, com o seu físico ímpar e com uns quilos a mais, para os padrões habituais.
Ser conhecido como “Robel, a baleia” e ser filho do presidente da Federação Etíope de Natação não abonam muito a favor deste atleta, acusado de só estar presente graças a um favorecimento (foi, inclusivamente, porta-estandarte da comitiva deste país africano).
Robel Habte conseguiu “bilhete” para o Rio, depois da lesão de um compatriota, e apresentou-se na tábua de partida para os 100 metros livres. Ficou em último lugar, bastante destacado de todos os outros, mas poderá contar aos seus filhos e netos que, um dia, se tornou numa das figuras mais insólitas da história dos Jogos Olímpicos.
O mergulho da "glória"
Entrar numa piscina em mergulho, fazendo o tradicional "chapão", não é algo particularmente problemático para o cidadão comum. Será sempre embaraçoso, é certo, mas, para um atleta olímpico especialista em mergulhos, sê-lo-á muito mais. E foi o que aconteceu ao russo Ilya Zakharov, campeão olímpico de mergulho em palataforma a três metros.
Com Zakharov, um dos principais favoritos à vitória final, os saltos complexos e sincronizados aos quais nos habituámos, deram lugar a um autêntico "chapão", numa entrada na água totalmente falhada. O atleta russo entrou de barriga e cara para baixo, protagonizando aquele que foi considerado um dos piores saltos da história dos Jogos Olímpicos. O comentador da estação NBC chegou a dizer que "foi um desastre total”. “O que aconteceu ao campeão olímpico? Não acredito nisto”, acrescentou.
Resultado: zero pontos, eliminação das meias-finais e um dos momentos mais insólitos destes Jogos Olímpicos.
O espírito olímpico compensa
Nikki Hamblin, da Nova Zelândia, e Abbey D'Agostino, dos Estados Unidos, receberam uma “prenda” da organização do Rio 2016. Mas, antes do presente, houve sofrimento.
Tudo se passou na meia-final dos 5000 metros. As duas atletas caíram, juntas, a cerca de 1500 metros da meta, ficando ambas diminuídas fisicamente.
"Levanta-te, temos de acabar isto". Primeiro, foi D’Agostino a ajudar Hamblin, e, mais à frente, inverteram-se os papéis, quando foi a norte-americana a cair no chão, com bastantes dores. Mesmo lesionada, D’Agostino terminou a prova, ajudada por Hamblin. Em lágrimas, D’Agostino abraçou a “companheira” e abandonou a pista numa cadeira de rodas. Hamblin, mais tarde, reconheceu: “Aquela rapariga é o espírito olímpico. Que mulher incrível”.
Mas o melhor ainda estava para vir. Apesar de terem falhado a qualificação para a final, o espírito olímpico – representado pela atitude “guerreira”, persistente e corajosa – valeu às atletas um lugar na final, atribuído pela organização da prova.