O guião de Dilma e Blatter falhou. Agora é o tempo de Scolari

1. O plano era que o Mundial 2014 fosse a consagração internacional do Brasil, a potência emergente da América do Sul. Foi nisso que Lula da Silva pensou quando ajudou a ganhar a organização em 2007, era isso que Dilma Rousseff queria desde que assumiu os destinos do Brasil, em 2011. O Mundial 2014 (e os Jogos Olímpicos de 2016) seriam para o Brasil o que os Jogos de 2008 foram para a China: a demonstração da pujança económica, da capacidade de organização, a afirmação de um novo gigante, ao estilo de: “Mundo, vê como somos bons.” Mas, no caso do Brasil, não foi isso que aconteceu. Não é isso, quase certamente, que vai acontecer.

 É praticamente impossível que os próximos 32 dias consigam apagar o que correu mal. Mesmo que não haja greves, mesmo que as manifestações sejam pequenas, mesmo que os visitantes se deixem encantar pelas belezas do Brasil e simpatia dos brasileiros, mesmo que os atrasos nos estádios se revelem afinal sem importância, mesmo que os aeroportos escapem ao caos, mesmo que a selecção de Scolari vença o Mundial, quando a festa acabar, a dura realidade estará de volta. E durante muitos anos o Brasil perceberá que gastou demasiado em estádios que se vão tornar elefantes brancos. E, ao contrário, da China, conviverá com uma sociedade que não assiste calada ao esbanjamento de dinheiros públicos.

2. O plano de Joseph Blatter, o todo-poderoso presidente da FIFA, também falhou. A FIFA voltará a lucrar com um Mundial e a encher os seus cofres de organização sem fins lucrativos. Só que abrem-se grandes brechas na estratégia de levar os Mundiais a todos os cantos do mundo. Depois de ter estreado (com algum sucesso, diga-se) os Mundiais na Ásia e em África, Blatter prosseguiu a lógica de risco. Os problemas no Brasil são sobretudo responsabilidade do país (quem quis 12 estádios foram os brasileiros), embora a FIFA não fique isenta, até porque transformou os Mundiais em máquinas de consumir recursos que só parecem estar ao alcance dos “petro”-Estados. E, acima de tudo, Blatter chega ao Brasil muito contestado por causa das suspeitas de corrupção na atribuição do Mundial de 2022 no Qatar, uma decisão que só foi possível porque há quem na FIFA goste mais de dinheiro do que de futebol. 

3. E agora olhemos para dentro do campo: 1432 dias depois de a Espanha ter levantado o troféu em Joanesburgo, a bola volta a rolar na fase final de um Mundial. Estão no Brasil todas as grandes selecções (incluindo todos os campeões mundiais) e praticamente todos os grandes craques da actualidade, à excepção de Ibrahimovic (a Suécia não se qualificou), de Ribéry (baixa de última hora na selecção francesa) e de Gareth Bale (cujo País de Gales está longe de se poder qualificar para um Mundial). Os principais favoritos são os mesmos quatro de há quatro anos: Brasil, Argentina, Espanha e Alemanha, com a tradição a jogar a favor dos sul-americanos, porque os europeus nunca venceram um Mundial realizado na América. A tradição, no entanto, vale o que vale, porque há quatro anos a Espanha quebrou o enguiço e finalmente uma equipa europeia foi campeã fora da Europa.

O Brasil tem a vantagem de jogar em casa, mas igualmente a pressão de fazer esquecer o “Maracanaço” de há 64 anos, com uma equipa que ganhou fiabilidade com Scolari, mas não tem muitos jogadores decisivos. O modelo da Espanha é agora mais conhecido dos adversários e alguns jogadores importantes, como Xavi e Iniesta, parecem ter perdido algum fulgor – ou seja, Del Bosque tem pela frente o enorme desafio de igualar o Brasil campeão de forma consecutiva (1958, 1962) e de ser a primeira equipa a ganhar quatro grandes provas seguidas.

A Alemanha continua a ter muita qualidade, joga bem, mas nos últimos tempos tem ficado à porta, desmentindo a tese de que no final ganhava sempre — isso não é verdade desde o longínquo Euro 1996. Aliás, se não vencer no Brasil, pela primeira vez a selecção germânica ficará cinco Mundiais seguidos sem ganhar. E a Argentina tem Messi, que fez uma época menos boa e continua com estranhas indisposições, embora o avançado do Barcelona esteja mais bem acompanhado do que Cristiano Ronaldo para mais um duelo entre os dois grandes jogadores da actualidade.

Numa segunda linha, Itália, França e Holanda são sempre equipas a ter em conta, tal como o Uruguai, quarto classificado em 2010, embora com um grupo muito difícil, ao lado de ingleses e italianos. Num Mundial na América do Sul, Colômbia e Chile são candidatos a ser aquela equipa surpreendente, tal como a Bélgica, que tem uma notável geração de jogadores e é um dos possíveis adversários de Portugal nos oitavos-de-final, caso a equipa de Paulo Bento passe o difícil grupo com Alemanha, Gana e EUA.

Portugal chega ao Brasil abalado pelas incertezas sobre o estado físico de Cristiano Ronaldo, um aspecto crucial numa selecção com poucas opções, mas que chegou para ir às meias-finais do Euro 2012. Em resumo, o Mundial tem tudo para ser bom e imprevisível, até porque ao longo da história muitas vezes não ganhou o favorito. Do Uruguai em 1950 à Itália em 2006, sempre houve muito espaço para surpresas – o que, aliás, é uma das grandes belezas do futebol.

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