O futebol de rua e os futebolistas de topo

O que têm em comum Pelé, Eusébio, Cruyff, Maradona, Ronaldo, Messi ou Cristiano Ronaldo, entre muitos outros, além de pertencerem à restrita galeria de nomes notáveis do futebol mundial? O futebol de rua! O tema não é novidade, tem servido de reflexão e a FIFA, atenta a este fenómeno, criou o projeto Grassroots, como forma de tentar contornar o eventual desaparecimento deste tipo de ambientes propícios ao desenvolvimento de jovens futebolistas. Há gerações que isto acontece: os talentosos futebolistas de topo, e não só, sejamos claros, começaram a jogar futebol num ambiente informal, com regras circunstanciais, com “bolas” improvisadas, em qualquer terreno baldio, adro ou estrada.

Há uns dias, à margem de mais um acontecimento publicitário, Wayne Rooney afirmou a importância que o futebol de rua teve no seu percurso enquanto futebolista. “Praticamente tudo que sei aprendi a jogar na rua. (...) Tinha de usar as paredes, que me ajudam a fazer tabelas, a contornar o lixo e os buracos, e tudo isso melhorou a minha técnica... aprendi tudo no alcatrão”, referiu Rooney. Também o brasileiro Neymar reconhece os benefícios do futebol de rua e acrescentou: “Para os brasileiros, a rua é o lugar onde se aprende a jogar futebol. Você percebe na movimentação, no primeiro toque, na nossa capacidade de controlar a bola em velocidade”.

Este tipo de testemunhos tem sido repetido ao longo dos tempos e é inegável o contributo que o futebol de rua tem tido para a formação de base dos jogadores de topo. Por que é que a rua foi, e continua a ser, embora de uma forma diferente, assim tão importante? Creio que a psicologia ecológica explica-o de uma forma clara: pelo processo dinâmico que é a relação que os jovens estabelecem com os contextos. Da interação das caraterísticas dos jovens jogadores e do ambiente (pedras, buracos, balizas improvisadas, cooperação e oposição, etc.), de forma lúdica e criativa, desenvolve-se o talento – por exemplo, Ronaldinho Gaúcho, quando não estava na rua a jogar com os amigos, fazia-o contornando os móveis em casa e ensaiando os dribles com o seu cão.

Neste aspeto, é muito curiosa uma afirmação de Valdano: “A tecnologia de ponta do futebol é a rua e a miséria”. De facto, o estilo de vida, o tempo disponível e as limitações no que toca ao acesso a brinquedos, por exemplo, favorecem o improviso. Com uma bola, alguns amigos e um espaço, é tudo o que se precisa para um dia bem preenchido e sem a intromissão de adultos... Este tempo a jogar, por vezes até um pai vir buscar um dos jovens pela orelha, ou até a noite cair, permite uma intimidade com a bola (melhoria da relação com esta como prolongamento do corpo) e do prazer destes jogos, acaba por surgir a paixão pelo jogo.

O futebol, na realidade, não tem classes sociais e agrada igualmente a ricos e a pobres, mas os últimos têm menos solicitações e menos alternativas. Por isso, naturalmente é dos meios desfavorecidos que acabam por surgir mais jovens dispostos (uns por paixão, outros também pela necessidade) a passar para o futebol dos clubes. (continua)

* Artigo publicado respeitando a norma ortográfica escolhida pelo autor
 
 

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