O fim de uma era?

O FC Porto vive um momento periclitante na presente época, praticamente arredado da conquista do título, estando já longe dos rivais da capital em termos pontuais e de qualidade exibicional. O mais inquietante é o facto de se vislumbrar um terceiro ano consecutivo sem levantar o principal troféu. A confirmar-se essa previsível situação, é algo que apenas acontecerá pela segunda vez na era Pinto da Costa. Na primeira ocasião, o presidente soube dar a volta com a contratação visionária de Mourinho, desta feita, o que apoquenta os corações portistas nem será tanto a perda de mais um campeonato, “pairando no ar” um temor de final de ciclo de poder no futebol português.

A instabilidade vem desde o tempo de Lopetegui, treinador que não tendo apresentado resultados, desagradou primordialmente pela qualidade e estética do seu futebol, exasperante para o universo "azul-e-branco". A ideologia espanhola revolucionária que manietou o jogo na última década (obsessão pela posse, circulação a toda a largura e aposta na qualidade de passe) não teve no Dragão a “chama” perspectivada. A falta de objectividade (excessiva lateralização) e deficiente criatividade no último terço tornavam a equipa “curta”, com capacidade diminuta de progressão e défice de oportunidades de golo. É indiscutível a razoabilidade das críticas feitas ao treinador espanhol, que também nunca conseguiu, ou não quis, defender-se (postura “sisuda”, não dialogante e altiva para com a comunicação social portuguesa).

A pessoalização da crise ficou provada com o despedimento do basco e a aposta em José Peseiro, contratado por uma época e meia. Se o objectivo era “resgatar” a temporada em termos de troféus, julgo não entendível esta decisão, os objectivos ainda estavam todos intactos com o anterior timoneiro. Tal acto é razoável se o entendimento for a premência de preparação da próxima temporada, admitindo que Lopetegui não seria a tal aposta a longo prazo e de mudança de paradigma que se perspectivava (a veracidade deste enquadramento torna inviável o despedimento de Peseiro ao fim de seis meses, independentemente do sucesso no presente campeonato). A derrota com o Arouca vem reforçar a ideia de que as “chicotadas psicológicas” são isso mesmo, um fervor efémero de confiança que advém da novidade e desejo de mudança (efeito imediato útil a curto prazo), que rapidamente se esbate quando o empenho estabiliza e a indefinição técnico-táctica (entre as ideias do treinador antigo e o novo) ficam expostas. A maioria das mudanças a meio da época origina um decréscimo de rendimento, por isso, reitero a necessidade de existir um prolongamento no tempo para se obter resultados.

É necessário desmistificar a concepção propalada de que a simples mudança de treinador pressupõe um debelar do problema, se foi essa a concepção dos dirigentes, aproxima-os da lógica de imponderação racional habitualmente usada pelos adeptos, domados pela explosão emocional momentânea (penso que existiu uma sensibilidade excessiva aos assobios que se ouviam da bancada). O assobio incessante é justificado, de forma muito sobranceira, como sendo parte indispensável da cultura de exigência do FC Porto, onde a insatisfação é permanente, obrigando os atletas a uma proximidade da perfeição constante e, por consequência, ao ”esmagamento” dos rivais.

Para se perceber a actual crise do clube é necessário ter presente esta postura e recuar no tempo, até ao período de Vítor Pereira. Um treinador bicampeão com apenas uma derrota em 60 jogos de campeonato. Em vez de se valorizar o trabalho próprio e a pontuação obtida, os responsáveis "azuis-e-brancos" preferiram aferir a distância pontual para o rival Benfica (curtíssima). Houve então enorme soberba, considerando-se que o sofrimento para desfeitear o rival da Luz não era consonante com a magnificência dos "dragões". Esse “abalo narcísico” levou a um desprezo pelo treinador e a uma desvalorização do trabalho conseguido. Arrogantemente, não existiu a admissão que o aproximar de distâncias se deveu a uma muito competente prestação de terceiros. O ajoelhar de Jesus no Dragão apenas serviu para erigir uma estátua no museu a Kelvin, um brasileiro feito lenda mesmo antes de ser jogador feito. O desabar do Benfica naquele “fatídico minuto” foi apenas uma “chaga” efémera. A profecia apocalíptica encarnada esfumou-se. Vieira possibilitou a ressurreição de Jesus e o FC Porto não percebeu o feito messiânico de Vítor Pereira. Esse rugido do tricampeonato terá sido o sinal do fim de uma era? Analista de futebol

Sugerir correcção
Ler 7 comentários