O contra-insulto da bola

Conseguiu pôr Bruno “Nádegas Opulentas” de Carvalho e Pinto “Apito” da Costa de acordo numa coisa que não era insultarem-se um ao outro. Era derrotar o Benfica, claro. Acabaram por votar a favor de um homem que é contra a sua grande reivindicação para o campeonato: o sorteio dos árbitros. Pedro Proença é uma caixinha de surpresas

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A Liga Portuguesa de Futebol é redonda. Para espanto internacional, agora é dirigida por um dos árbitros mais conhecidos e respeitados do mundo (seja lá o que “respeitado” quer dizer no mundo do futebol). Entre várias distinções e grandes finais, o currículo de Pedro Proença (Lisboa, 3 de Novembro de 1970) destaca-se, com letras gravadas a ouro, num dos mais prestigiados domínios do conhecimento: o calão. O slang da bola.

Pedro Proença, o ex-árbitro internacional sabe tudo da arte do insulto. Tirou um curso durante muitos anos, em ritmo intenso. Escutou em directo nos estádios, nas ruas, nas rádios, nos telefonemas anónimos. Leu nos jornais, nas redes sociais, nas paredes das casas de banho. Fala todas as línguas do futebolês ordinário.

Aos 44 anos, Pedro sabe como se diz “palhaço” (e as suas derivações exclamativas “ó palhaço” e “ganda palhaço”) em português, inglês, francês, castelhano, catalão, holandês, flamengo, alemão, italiano.

Na flor da idade de um homem-do-apito, Proença sabe como se grita “gatuno” em japonês, coreano, iídiche, árabe, vietnamita. Sabe soletrar “vai roubar para a estrada” em centenas de dialectos do subcontinente indiano, em russo, em ucraniano, em polaco.

Sabe todos os palavrões sexuais e/ou animalescos em xhosa do Sul de África, em zulu, em balanta e bantu. Se lhe perguntarem como é que se diz “estás comprado” em húngaro, essa língua que não se relaciona com nenhuma outra, só talvez o islandês, Proença não hesitará em responder. Se houver alguma dúvida de que Pedro conhece a fundo as formas subtis de dizer “vai para este sítio” e “vai para o outro”, tantos esses sítios que começam em “c” como os que inauguram em “p” e acabam em “que te pariu”, nas línguas bárbaras mas melodiosas do Norte — como sueco, norueguês e dinamarquês — é melhor que as dúvidas se dissipem, porque Proença saberá cantarolar os impropérios como qualquer chefe de claque dos fiordes gelados.

O ex-árbitro Pedro Proença Oliveira Alves Garcia — nome mais português é difícil — tem um currículo e tem mundo. Director financeiro de profissão, começou cedo a exercitar a sua vocação para saco-de-pancada dos adeptos, jogadores e dirigentes do futebol: ser árbitro. Sempre bem penteado, magro, em boa forma, há muitos anos que Proença começou a treinar o sopro e o gesto decidido, a elegância ao puxar do cartão vermelho. O gel é o seu grande companheiro, em dias de sol, em noites de tempestade. Sempre no horizonte, a possibilidade de ter de correr pela vida ao arbitrar um dos clássicos, para o que é necessário saber as localizações exactas dos túneis e das saídas de emergências do Estádio da Luz, do Estádio do Dragão e do Estádio de Alvalade, quando as coisas dão para o torto.

Pontos altos da carreira de um homem que, entre 2012 e 2013, esteve na categoria Elite da UEFA: arbitrou a final do Campeonato Europeu de Selecções (vitória de Espanha contra Itália por 4-1); arbitrou também a final da Champions (Liga dos Campeões da UEFA). Ponto baixo da carreira do mais respeitado dos árbitros portugueses foi uma converseta antiga entre Pinto da Costa e Pinto de Sousa, então presidente da Comissão de Arbitragem (interceptada em 2003 pela Polícia Judiciária) na véspera de uma Supertaça entre o FCP e União de Leiria:

Pinto da Costa — Quem é?

Pinto de Sousa — O Proença!!! Então não é?! Falei contigo.

P.C. — Pois, eu sei.

P.S. — Ah?!

P.C. — Já sei!

P.S. — É esse! Foi nomeado ontem… oficialmente!

P.C. — Ai é…

P.S. — Foi ontem nomeado, só! Mas… antes de nomear tinha falado contigo!

P.C. — Sei! Mas eu, se me perguntarem alguma coisa, eu vou dizer que não comento, como é óbvio!

P.S. — Claro!

P.C. — Não vou dizer que…

P.S. — Claro! Ah, ah! É evidente, é evidente! Pelo contrário! Até devias dizer que achas mal! Eh, eh, bom…

E, dois dias depois, os mesmos  voltaram a conversar:

Pinto de Sousa — É… mas vou devagarinho, pá, calmamente… vou falar com Pedro Proença!

Pinto da Costa — Vais?

P.S. — Grande jogo em Guimarães, pá! Vai fazer um grande jogo!

P.C. — Com recados para não expulsar ninguém!

P.S. — Eh, eh, eh…

É claro que uma pessoa honesta pode ser apanhada como um pinto entre dois pintos maiores (na altura muito activos em conversas de galos e de poleiros no futebol português). A carreira de Pedro Proença aguentou todas as más-línguas. Um homem que ao longo de anos acabou por conhecer tão bem Sepp Blatter e Michel Platini acabará por ficar imunizado contra os golpes mais baixos do “desporto-rei”.

Agora a proeza é liderar e unir os clubes todos da Liga. Tem de começar pela linguagem da competência. Pedro Proença acha que Vítor Pereira (da Arbitragem) é incompetente e tem de sair (ou já não acha?). E Bruno de Carvalho acha incompetente o derrotado ex-presidente da Liga Luís Duque, e Luís Duque considera incompetente Bruno de Carvalho. E Pinto da Costa fala isto de Luís Filipe Vieira e Vieira fala aquilo ainda pior de Pinto da Costa.

O trabalho do cavalheiro Pedro Proença terá de ser o contrário daquilo que sempre sofreu: o árbitro agora é que terá de gritar uns palavrões. Mas ele sabe-os.

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