O continente em que os guarda-redes não têm boa reputação

Ao contrário de outras posições, há poucos exemplos de jogadores africanos de topo na baliza.

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Robert Kidiaba Fadi Al-Assaad/Reuters

Com dois dias decorridos da Taça das Nações Africanas (CAN), já estava encontrada a melhor celebração de golo do torneio. Não se tratou de uma explosão de alegria com dança do marcador do golo. Nem uma invasão de campo do treinador e dos suplentes. Quando, aos 69’, Dieumerci Mbokani fez, de penálti, o 2-2 para a selecção da República Democrática do Congo frente ao Gana, o espectáculo aconteceu na outra baliza. Robert Kidiaba, o guarda-redes congolês, embarcava numa celebração difícil de descrever, sentado na relva, aos saltos, como se estivesse a montar um cavalo... mas sem cavalo.

O mundo redescobriu Kidiaba na CAN 2013, mas ele há anos que faz este número nos jogos do Tout Pouissant Mazembe, um dos maiores clubes de África – o único que disputou uma final do Mundial de clubes. À dança, o veterano guardião congolês acrescenta um visual pouco habitual: barba cerrada e uma trança de cabelo que se destaca numa cabeça rapada.

Kidiaba, tal como a grande maioria dos guarda-redes desta CAN, joga em África. Dos 42 inscritos na competição, apenas 12 actuam fora do continente, a maioria em França, alguns na Bélgica, dois em Israel (ambos da Nigéria) e um na Noruega.

Os guarda-redes africanos não têm grande reputação. Pelo menos não tanta como os seus colegas europeus. Provavelmente, ninguém irá incluir nenhum africano num top 10 mundial de jogadores nesta posição – talvez nos anos 1980 aparecesse um destes nomes, Joseph Antoine Bell ou Thomas N’Kono, ambos dos Camarões, e ambos com carreiras longas em boas equipas do futebol europeu; eventualmente Bruce “Spaghetti Legs” Grobbelaar, do Zimbabwe, que foi dono da baliza do Liverpool durante mais de uma década; talvez Zaki, o marroquino que ajudou a eliminar Portugal no Mundial do México em 1986.

Neste momento, ainda está em competição na CAN aquele que é considerado o melhor guarda-redes africano da actualidade, o nigeriano Vincent Enyeama, que joga no Maccabi Telavive e vai ser o titular das “Super-Águias” na final de domingo com o Burkina Faso. Mas na hierarquia mundial de guarda-redes estabelecida pela IFFHS (Federação Internacional de História e Estatística do Futebol), Enyeama aparece apenas no 48.º posto. O nigeriano já se tinha destacado no Mundial 2010, ao deter todos os remates de Messi num jogo que a Argentina ganharia apenas por 1-0, mas nem isso lhe valeu um lugar como titular no francês Lille, que o emprestou esta época ao Macabbi.

Na outra baliza estará Daouda Diakité, que ganhou o seu lugar no “onze” do Burkina Faso ao titular inicial Abdoulaye Soulama. Soulama foi expulso ao segundo jogo porque deu um salto para a frente quando segurava uma bola no ar e aterrou fora da sua área, recebendo por isso o cartão vermelho. Nesse mesmo dia, ficou a saber que o seu pai tinha morrido e voltou ao seu país, regressando depois à África do Sul para o resto do torneio, mas tem ficado de fora das opções do belga Paul Put.

Diakité, que joga no Lierse da Bélgica, foi, inclusive, um dos heróis no desempate por penáltis nas meias-finais frente ao Gana. Mas, seguramente, que a sua prestação não irá perdurar tanto na memória como a dança de Robert Kidiaba, que não lhe valerá nenhum contrato milionário em final de carreira, mas o título de fenómeno viral na Internet. Como já havia acontecido com João Kapango, o corpulento guarda-redes de Moçambique na CAN 2010, que ia partindo o pescoço num jogo contra o Benim quando ia agarrar uma rotineira bola pelo chão. Kapango tropeçou, dobrou o pescoço e aterrou de costas. Mas conseguiu segurar a bola.

* Planisférico é uma rubrica semanal sobre histórias e campeonatos de futebol periféricos

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