O cemitério que quase matou o Cruzeiro de Porto Alegre

O clube chegou a rivalizar com Grémio e Internacional, mas nunca mais foi o mesmo quando teve de sair do Estádio da Montanha.

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O Estádio da Montanha na inauguração em 1941 DR
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O cemitério manteve a arquibancada do Estádio da Montanha DR
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Alguns jogadores e adeptos do Cruzeiro pediram para ser sepultados neste cemitério DR

Chamavam Colina Melancólica ao local onde ficava o Estádio da Montanha e não era um tributo aos Gorillaz e a “Melancholy Hill”. O estádio onde o Cruzeiro de Porto Alegre jogou durante 30 anos estava numa zona onde se concentravam os cemitérios da capital do Rio Grande do Sul. Era numa altura em que o Cruzeiro (não confundir com o Cruzeiro de Belo Horizonte, em Minas Gerais) conseguia intrometer-se no domínio partilhado por Grémio e Internacional. Mas chegou uma altura em que o Estádio da Montanha também se transformou em cemitério e o clube nunca mais foi o mesmo.

Hoje em dia, tudo o que resta do Estádio da Montanha é uma arquibancanda mais ou menos perdida no meio daquele que é considerado o maior cemitério vertical do sul do Brasil. Mas quando foi inaugurado, em 1941, tinha capacidade para 20 mil espectadores e era o maior da cidade. Nesta altura, o Cruzeiro era um dos grandes clubes do Estado (foi campeão Gaúcho em 1929), teve na inauguração do estádio o São Paulo (que derrotou por 1-0) e foi a primeira equipa do Rio Grande do Sul a fazer uma digressão internacional (entre 1953 e 1954, e uma outra em 1960), durante a qual defrontou alguns dos grandes clubes da Europa, como a Lazio e o Real Madrid de Alfredo di Stéfano, com quem empatou.

No final dos anos 1960, e aproveitando a proximidade com os cemitérios da cidade, a direcção do Cruzeiro tentou resolver os problemas do clube com a cedência do terreno onde estava o Estádio da Montanha para se construir um cemitério. Recebeu um terreno para um novo recinto e uma quantia em dinheiro para o construir, para além de 30% da venda de cada jazigo. O problema aqui foi que os administradores do que viria a ser o Cemitério Ecuménico João XXIII resolveram fazer um cemitério vertical e o clube, como co-proprietário e sem palavra final porque era sócio minoritário do empreendimento, teve de investir parte dos fundos recebidos na construção do edifício.

O Cruzeiro acabaria por construir um recinto com menos de metade da capacidade do Estádio da Montanha e, reza a lenda, usava os jazigos para contratar jogadores. Este negócio durou até 1985, mas não salvou o clube da decadência financeira e desportiva. Serviu, no entanto, de inspiração para um livro de Moacyr Scilar, escritor de Porto Alegre e adepto do Cruzeiro, “A Colina dos Suspiros”, a história de um clube (o fictício Pau Seco FC) que vende o seu campo para um cemitério e de um avançado assombrado pelos fantasmas de ídolos passados. “Quando ouvi um desses jogadores dizendo na Rádio Gaúcha, e com muito orgulho, que o seu passe havia sido adquirido por seis túmulos, dei-me conta que era o time ideal para um ficcionista”, escrevia Scilar numa coluna no jornal Zero Hora, em 2010.

O clube passou por vários períodos em que nem sequer tinha fundos para ter uma equipa de futebol profissional e esteve mais de 30 anos nas divisões secundárias, regressando em 2010 à I Divisão do futebol gaúcho, onde se tem mantido com algumas dificuldades. Na última temporada, foi uma luta até ao fim pela manutenção e dessa condição muito dependia o futuro do Cruzeiro para ter patrocinadores na próxima época e para poder concluir as obras do novo estádio, o quinto da sua história e que está em construção desde 2010.

Se voltar a rivalizar com os grandes clubes gaúchos parece difícil, há algo que não podem tirar ao Cruzeiro, a participação num Mundial de selecções. Melhor, foram as suas camisolas que entraram em campo no corpo dos jogadores do México durante um jogo em Porto Alegre do Mundial de 1950 frente à Suíça. Como ambas as equipas equipavam de vermelho e não tinham equipamentos alternativos, a solução foi pedir emprestadas as camisolas de riscas verticais azuis e brancas do Cruzeiro, não que isso tenha valido de muito aos mexicanos – perderam por 2-1.

* Planisférico é uma rubrica semanal sobre histórias de futebol e campeonatos periféricos

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