“Pistorius agora está na prisão, mas o movimento paralímpico continua”

Nos últimos anos, deixou de se falar em desporto para deficientes e passou a falar-se só em desporto. Uma grande conquista diz, em entrevista, Philip Craven, presidente do Comité Paralímpico Internacional

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Philip Craven é presidente do Comité Paralímpico Internacional desde 2001 Enric Vives-Rubio

Philip Craven não gosta da palavra começada por “D”. Em inglês, “disability”, em português, deficiência. É como dizer que uma pessoa não funciona, diz este britânico. “Se me dissessem que eu não funciono.” E depois faz um gesto com um punho fechado, dirigido a um adversário imaginário. Sir Philip Craven, presidente do Comité Paralímpico Internacional, partiu as costas quando tinha 16 anos porque era um jovem “imprudente”, mas a cadeira de rodas não foi uma prisão para alguém que sempre gostara de desporto. Da cama do hospital viu um jogo de basquetebol de cadeira de rodas, adaptou a sua nova condição e tornou-se num multicampeão paralímpico, assumindo depois os comandos do CPI em 2001. Em Lisboa para participar no I Congresso do Comité Paralímpico de Portugal, Craven falou com o PÚBLICO e diz que a grande conquista dos últimos anos foi a forma como o mundo olha agora para o desporto adaptado, simplesmente como desporto, também com ídolos, competitividade, público, patrocínios e audiências televisivas.

Está no seu quarto mandato como presidente do Comité Paralímpico Internacional (CPI). O que mudou?
A primeira é que nós deixámos de ser uma organização internacional de desporto para deficientes, para apenas uma organização internacional de desporto. Antes, as relações com as organizações, o Comité Olímpico Internacional (COI), as federações internacionais e nacionais, eram diferentes. Agora falamos de desporto, há uma linguagem comum e funciona. Tem muito a ver com a forma como crescemos, através dos Jogos Paralímpicos, dos Mundiais, ou com a integração dos nossos desportos nas próprias federações internacionais.

Quais foram os maiores desafios?
Foi o de convencer as pessoas que estamos a falar de desporto. Os atletas paralímpicos são tão bons atletas como os olímpicos. Os primeiros a reconhecer isto foram os próprios atletas olímpicos. Eles sabem. Há uma grande relação entre a comissão de atletas olímpicos e a comissão de atletas paralímpicos. Temos continuado a crescer. E o desporto adaptado está a atrair cada vez mais patrocinadores.

Mas não é difícil atrair patrocínios para o movimento paralímpico num universo tão vasto como o desporto?
É difícil para todos. Há muita competição, mas temos tido bastante sucesso. Na semana passada, renovámos com a Samsung até 2020, assinámos pela primeira vez com a Panasonic e temos outras possibilidades. Os patrocinadores estão a começar a perceber que já não chega vender produtos à custa de estrelas desportivas. Estamos a falar de algo com um significado mais profundo. Claro que gostaríamos de ter mais, mas estamos a ter muitas respostas positivas.

Tem havido crescimento em termos de número de atletas?
Sim. Esperamos cerca de 4300 atletas no Rio de Janeiro. Há quem queira mais dois mil ou três mil, mas nós queremos garantir eventos com qualidade. O nível competitivo tem de ser alto porque é isso que os adeptos gostam.

Estes Jogos de Londres foram os melhores de sempre?

Em 2012 foram os melhores de Verão e Socchi 2014 foram os melhores Jogos de Inverno. Tivemos mais bilhetes vendidos (2,7 milhões em Londres), mais espectadores de televisão, mas não é apenas isso. O ambiente nos estádios foi fantástico. Positivo e electrizante.

Que países são bons exemplos no desporto paralímpico?
É difícil. Olhando para a tabela das medalhas, a China dominou os jogos de Verão. Se tivesse de escolher um país que tem crescido de forma sustentada, é o Brasil. Também temos de olhar para a Ucrânia, uma nação muito forte, apesar das dificuldades políticas que atravessa.

Como avalia o trabalho do comité paralímpico em Portugal?
Têm feito um trabalho muito bom. Portugal está no bom caminho. Não se pode olhar para onde estamos, temos de olhar para onde queremos ir. Aconselharia a diversificação, mas não tentar estar presente nos 22 desportos. São muitos. Há que concentrar nas modalidades mais atraentes para a cultura desportiva portuguesa.

Que efeito causou o julgamento de Oscar Pistorius no movimento paralímpico?
Apesar da tragédia que aconteceu há mais de 18 meses, nós continuámos com o nosso trabalho e não notamos qualquer efeito negativo em termos de número de novos atletas que vão aparecendo, a reacção dos media ao desporto adaptado, a relação com os patrocinadores. Quando regressei da Coreia, há alguns dias, vi um anúncio da Tag Heuer [marca de relógios] que abria com a Marlou van Rhinj [atleta holandesa, dupla-amputada, campeã paralímpica dos 200m em Londres 2012]. Se tivesse tido um efeito negativo, essa empresa não teria uma atleta paralímpica.

Mas Oscar Pistorius continua a ser o atleta paralímpico mais conhecido do mundo.
Agora será ainda mais, antes também já era uma celebridade. Mas depois dos Jogos de Londres, muitos outros campeões surgiram. Perdeu nos 200m nos Jogos Paralímpicos, ganhou os 400m, participou nos Jogos Olímpicos. Acho que antes desses jogos, faziam-me essa pergunta, que Pistorius era o único atleta paralímpico conhecido. E eu dizia para esperarem até aos Jogos de Londres. Sim, o Oscar agora está na prisão, mas o movimento paralímpico continua, impulsionado pelos seus atletas.

Acha que ele vai voltar a competir?
Não faço ideia. De momento ele não pode competir, porque está a cumprir uma pena e de acordo com os nossos regulamentos não pode competir até que seja um homem livre. Depois, não depende do CPI, mas da sua federação. Antes do envolvimento do CPI, terá de passar pela federação da África do Sul.

Como é que o desporto apareceu na sua vida, antes e depois do acidente que sofreu?
Sempre gostei de desporto. O críquete continua a ser a minha maior paixão, ténis, natação, futebol, que adoro, mas não jogava nada. Quando sofri o meu acidente, dois dias depois vi da janela do meu quarto um jogo de basquetebol em cadeiras de rodas. Houve um clique. Quando saí da cama comecei a jogar snooker e ténis de mesa, mas quando comecei com o basquetebol... Nunca tinha jogado antes do acidente. É um desporto muito difícil, mas era o ideal para mim porque tinha uma óptima coordenação entre olhos e mãos. Joguei em cinco Jogos Paralímpicos, tive 190 internacionalizações pela Grã-Bretanha. Também fiz natação, mas não gostava muito dos treinos, eram muito aborrecidos.

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