“Neste momento, sinto que sou o melhor jogador do mundo”

Ricardinho, a grande referência do futsal português, continua a coleccionar elogios e adeptos. Conquistar a UEFA Futsal Cup pelo Inter Movistar e um título pela selecção são metas na agenda.

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Ricardinho comemora um golo com Cardinal FPF

Os talentos não se medem aos palmos. Que o diga Ricardo Braga, que do alto dos seus 1,64 metros espalha magia por esse mundo fora. Uma semana após ter mostrado a essência do seu futsal na Masters Cup, que decorreu no Pavilhão Atlântico, o PÚBLICO falou com aquele que é por muitos considerado o melhor jogador do mundo de futsal. Aos 29 anos, o internacional português está na plenitude das suas capacidades epensa em acrescentar mais troféus à extensa lista de conquistas que já alcançou. Porém, entre tantas vitórias, tem uma espinha encravada na garganta: conquistar um título ao serviço da selecção nacional.

Sente-se o melhor jogador de futsal do mundo?
Acho que sim, mas tem tudo que ver com o momento. Há alturas em que nos sentimos bem, marcamos muitos golos, estamos num momento de forma espectacular, ganhando títulos e sentimo-nos num patamar acima dos demais. Sinceramente, nos últimos três anos estive num nível bastante alto. Já fui considerado o melhor do mundo e espero conseguir ganhar outras vezes durante mais alguns anos. Neste momento, sinto que sou o melhor jogador do mundo.

Considera que o facto de há três épocas ter decidido jogar na Liga espanhola, ao serviço do Inter Movistar, contribuiu para ter este reconhecimento a nível mundial?
Foi a melhor escolha ter vindo para o Inter, é o clube que tem mais títulos no mundo, a Liga espanhola é a mais dura e competitiva, em que tudo vale a dobrar. Parece que só jogando aqui é que temos valor. Daí também a minha vontade em ter aceitado a proposta do Inter e provar que o Ricardinho não é só bom jogador em Portugal e no Japão. Quando saí do Benfica foi, sem sombra de dúvidas, por razões financeiras. Fui ganhar muito dinheiro no Nagoya Oceans. Depois de no Japão ter a minha vida mais ou menos estabilizada, decidi ir para o melhor campeonato do mundo.

Foi, na altura, a melhor decisão que poderia ter tomado. Valeu a pena a espera?
Os convites já existiam há muito tempo, tive propostas do Barcelona e escolhi o Inter. Foi muito fácil a decisão: se fosse para o “Barça” e o clube continuasse a ganhar era mais um jogador, porque o Barcelona estava a dominar o futsal espanhol e europeu. Vir para o Inter Movistar, que já não ganhava nada há cinco anos, as pessoas iam valorizar esse aspecto. Acho que foi a melhor decisão.

A verdade é que, desde que ingressou no Inter, o clube voltou a assumir a hegemonia do futsal espanhol: duas épocas e dois campeonatos ganhos. Só falta conquistar a UEFA Futsal Cup.
Na primeira época não tive lesões, fomos campeões da Taça de Espanha, da Liga. A temporada passada foi igualmente muito boa, apesar do período que estive sem jogar durante quatro meses devido a lesão e não consegui estar presente em Odivelas no acesso à “final four” da UEFA Futsal Cup... Foi uma espinha que ficou encravada na garganta, era um ano em que tínhamos tudo para estar na fase final e quem sabe ganhar a competição. Mas ganhámos o campeonato e este ano temos mais uma oportunidade. Esta época será ainda mais competitiva, as equipas reforçaram-se bem, muitos espanhóis que jogavam noutros clubes estrangeiros regressaram. Nós, pela maneira como jogamos, pela qualidade do nosso plantel, somos candidatos, mas teremos de comprovar essa superioridade dentro da quadra. Respeitando todos os adversários, temos todas as possibilidades e capacidade para estarmos na “final four”.

Antes, o Ricardo era visto por muitas pessoas como um jogador espectacular, que falhava nos momentos de definição. Com a idade, tornou-se num atleta mais cerebral?
Se não tivesse melhorado em vários aspectos não era o melhor jogador do mundo. Era espectacular, um jogador criativo que a qualquer momento poderia fazer uma maravilha e colocar o público de pé, mas na hora da decisão não escolhia bem o momento de fazer a tal brincadeira. O jogo é sorrir, felicidade mas com coerência, personalidade e vontade de marcar. Acho que melhorei muito nesses aspectos e, ao vir para o campeonato espanhol, tornei-me num jogador muito mais objectivo. Quero abrilhantar as jogadas mas sei que nem sempre é possível. Continuo a ser um jogador espectacular, que faz aquelas diabruras de que as pessoas gostam. Sou um jogador mais eficaz.

O Ricardo é o melhor de dois mundos, uma espécie de misto entre Cristiano Ronaldo e Messi?
(Risos). Sinto-me um misto de bastantes jogadores de futsal como o Pedro Costa, Arnaldo Pereira, Zé Maria, André Lima, Paulo Roberto, Falcão. As minhas referências são jogadores de futsal, o futebol é uma coisa à parte.

Mas parte da base da sua formação começou noutra modalidade que não o futsal.
Felizmente, o futsal surgiu na minha vida quase como uma obrigação, porque jogava futebol e, quando fiz 13 anos, surgiu no FC Porto um treinador que apenas apostava em jogadores altos, fortes fisicamente. O que não é o meu caso. Esse treinador disse-me que não poderia continuar na equipa porque era muito pequeno. Tinha talento mas tinha de crescer. Fiquei um ano sem jogar e depois tive oportunidade de ingressar no futsal com uns amigos e aqui estou eu.

Depois do Miramar, o ingresso no Benfica com menos de 18 anos. Não devem ter sido nada fáceis os primeiros tempos em Lisboa.
É verdade. Lembro-me perfeitamente de tudo, de vir para Lisboa viver com jogadores que foram fundamentais na minha carreira, o Nelito e o Arnaldo. Passados três meses, disse ao professor Alípio Matos, que era o treinador do Benfica na altura, que queria ir embora e ele disse-me para ficar, porque iria ser o melhor jogador de futsal português de sempre. Eu queria jogar, algo que não acontecia. Recordo-me de uma final da UEFA Futsal Cup frente ao Inter Movistar em que tinha apenas 17 anos. Todos estes pormenores fizeram-me crescer e chegar a este patamar.

O que aprendeu na passagem pelo Japão?
Foi fantástica. Primeiro tenho de agradecer ao Adil Amarante, que foi meu treinador no Benfica, que me convidou para ir para o Japão para ajudar na evolução da modalidade no país. Consegui fazer o meu papel, mostrar as minhas qualidades, ajudar o Nagoya Oceans a continuar a ganhar títulos. Adaptei-me ao país, à cultura. O lado negativo é que perdi muitos jogos da selecção: cada viagem do Japão até Portugal eram quase 20 horas, então só vinha aos jogos combinados com o seleccionador Jorge Braz. Foi uma experiência fantástica, consegui não parar no tempo enquanto jogador, continuei a evoluir porque o treinador, Adil Amarante, era excelente.

Na semana passada voltou a jogar em solo português. O Inter Movistar jogou com Sporting (3-2) e Benfica (3-2) e venceu os dois encontros apenas com golos seus. Como foi regressar a casa?
Foi um final de semana feliz, com emoções ao rubro. Primeiro jogar no Meo Arena, um pavilhão onde já fui muito feliz: a 25 de Abril de 2010, Benfica contra o Inter Movistar, fui campeão europeu. É uma data inesquecível. Depois, consegui marcar três golos ao Sporting depois de tantas coisas que foram ditas, que não fazia a diferença no ano passado, na fase de acesso à “final four” da UEFA Futsal Cup, ficou comprovado que se estivesse em Odivelas poderia ter ajudado a minha equipa. Para quem tinha dúvidas que eu não fazia falta ou a diferença aqui em Portugal, creio que ficaram dissipadas agora. De seguida, o mais importante foi o jogo contra o Benfica. Rever aquela massa associativa fantástica, jogadores com quem joguei e de quem sou amigo. Não poderia ter corrido de melhor maneira, fui aplaudido o jogo todo, mesmo quando fiz maldades ao meu clube. Acho que o respeito dos adeptos foi fantástico e creio que retribuí da forma que poderia, demonstrando que o meu carinho por eles está à vista de todos. O Benfica é o clube do meu coração, que irei respeitar sempre. A fama termina um dia, o que fica é o reconhecimento das pessoas. 

O que lhe disse o presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, que esteve presente nessa partida?
Disse-me que tinha de voltar a casa, como um bom filho faz. Pediu-me para não fazer muitas maldades e que fosse um bom jogo de futsal. Creio que foi o que aconteceu.

E quando é que vai acontecer esse regresso ao Benfica?
Não faço ideia de quando é que isso poderá acontecer. Estou no Inter, sou bem tratado aqui, querem-me aqui, idolatram-me, vivo um bom momento, estou próximo de casa. Em termos financeiros, jogar em Espanha é fantástico e quero continuar a conquistar títulos.

O que falta ao campeonato português para atingir o nível da Liga espanhola?
As equipas portuguesas estão mais próximas das melhores a nível europeu, clubes espanhóis, italianos e russos, porque têm contratado bem. Benfica e Sporting equilibram as partidas porque têm jogadores estrangeiros de muita qualidade. Mas, mesmo assim, continuo a achar que o campeonato português está nivelado por baixo, é uma corrida a dois entre Benfica e Sporting. Os restantes vão tentando intrometer-se nessa luta, mas é difícil.

No próximo dia 22 de Setembro Portugal vai defrontar, no Estádio Castelão, em Fortaleza, o Brasil. São esperadas cerca de 60 mil pessoas. Já começou a fazer a contagem decrescente para este duelo?
Nunca joguei perante tantas pessoas, acho que nunca se está preparado. Será óptimo ver o estádio cheio, defrontar um ídolo como é o Falcão e viver um pouco o que acontece aos jogadores de futebol. O máximo que joguei foi com 10 mil pessoas nas bancadas. Estou ansioso. Tenho a certeza de que será uma experiência inesquecível.

Quando é que Portugal irá vencer um título de grande expressão?
Não sei o que lhe posso responder. Custa-me muito, nem quero imaginar a possibilidade de um dia terminar a carreira e não ganhar nenhum título importante, europeu ou mundial, com a selecção nacional. Quero retribuir o carinho que tenho recebido dos portugueses. Sonho todos os anos com esse momento, conseguirmos realmente tocar o céu, que seria vencer um Campeonato Europeu ou um Mundial e poder dar esse título e orgulho ao povo português. Em 2007, no Europeu que decorreu em Gondomar, estivemos a vencer a Espanha nas meias-finais por 2-0, depois eles empataram e perdemos nas grandes penalidades. No Europeu da Hungria, também contra a Espanha, estivemos perto de tocar o céu… tinha de ser assim.

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