Na terra dos derbies inventados

O novo campeonato argentino vai ter uma jornada reservada às rivalidades, mesmo para os clubes que não as têm.

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O futebol argentino vai sofrer uma revolução, que está a ser recebida com muitas críticas Agustin Marcarian/Reuters

Ainda mal começou, mas já todos discutem o que virá a seguir: o novo campeonato argentino, deixado em herança por Julio Grondona e baptizado com o nome do dirigente – que durante 35 anos liderou a Associação de Futebol da Argentina (AFA) e que, em Julho de 2014 sucumbiu na sequência de um aneurisma –, está a provocar enormes dores de cabeça na pátria de Maradona e Messi. É um torneio mastodôntico, disputado por 30 equipas, e cujo formato contém várias originalidades. Entre elas, os derbies inventados.

Pela primeira vez desde 1991, a Argentina vai ter um campeonato único, a ser disputado ao longo do ano civil, substituindo o sistema que vigorava antes, com dois torneios (Apertura e Clausura). A prova será disputada apenas a uma volta, o que levará a disparidades absurdas no calendário dos clubes: uns vão ter de percorrer mais de 5000 quilómetros, outros pouco mais de 2000; uns defrontam o River Plate no Monumental e o Boca Juniors na Bombonera, outros vão receber os dois rivais.

Para tornar as coisas ainda mais disparatadas, a AFA decidiu introduzir uma jornada extra no calendário, que será preenchida com “clássicos”: River-Boca, Estudiantes-Gimnasia, Huracán-San Lorenzo, Rosario Central-Newell’s, Independiente-Racing, Lanús-Banfield... Só que há clubes sem rivalidades ao nível destas, que foram emparelhados de forma aleatória, em duelos “sem história nem folclore”, apontava Cristian Grosso, editor do diário La Nación. Entre os derbies inventados estão Olimpo-Sarmiento, Rafaela-Belgrano ou Aldosivi-Crucero del Norte.

Com as suas singularidades, este campeonato tem merecido críticas acesas na Argentina. “Ficará na história por ser o único da sua espécie. Uma criatura disforme, digna de ser vista em museus e jardins zoológicos. Os quadros, as esculturas, os animais e o ‘torneio de 30’”, escreveu Juan Pablo Varsky. “Ganhe quem ganhar, terá na sua vitrina um produto exótico, de edição limitada. Um exemplar simplesmente irrepetível”.

O pontapé de saída aconteceu com o Vélez Sarsfield-Aldosivi, uma partida entre um clube que detém dez títulos de campeão e outro que há quase 40 não estava no primeiro escalão do futebol argentino. Devido ao alargamento súbito do campeonato (em dois meses cresceu 50%) juntaram-se muitas realidades distintas, entre candidatos aos títulos nacionais e continentais – como por exemplo o River Plate, que acaba de conquistar a Supertaça sul-americana, o sétimo troféu internacional da história – e emblemas à beira da falência. “Só temos dinheiro para seis meses”, admitia Jorge Miadosqui, vice-presidente do San Martín (de San Juan). “Alguns vão competir, muitos apenas participar”, resumia Cristian Grosso.

Entre Agosto e Dezembro de 2014 houve um campeonato de transição com 20 participantes e agora entra em vigor o projecto idealizado por Grondona: a essas 20 equipas somaram-se mais dez e a competição vai prolongar-se até Novembro, apenas com uma interrupção de mês e meio durante a Copa América. O objectivo da AFA é reduzir gradualmente o número de equipas no primeiro escalão, ao mesmo tempo que alinha a prova com os calendários europeus. Este ano só haverá dois despromovidos e não serão necessariamente os dois últimos – aplica-se o critério da média pontual nas últimas quatro épocas. No início de 2016 realiza-se um torneio curto e depois um campeonato a 28 em 2016-17, a 26 na época seguinte, e a 24 em 2018-19.

Planisférico é uma rubrica semanal sobre histórias de futebol e campeonatos periféricos

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