De repente, o ciclismo de pista em Portugal tem dois prodígios

Um pai que lhes passou o “bichinho” das bicicletas, um irmão mais velho que corre há anos: assim se conta a história de sucesso dos gémeos Ivo e Rui Oliveira, que, no espaço de um ano, já arrecadaram nove medalhas.

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Ivo e Rui Oliveira em acção na pista de Sangalhos Fernando Veludo/NFactos
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Os dois gémeos têm somado triunfos a nível nacional e internacional Fernando Veludo/NFactos

Chegam de coração cheio, com o silencioso orgulho de quem elevou o nome de Portugal ao esplendor, mas, quem os vê passar, pólos pretos a condizer e só a cor do cabelo para os distinguir, não arriscaria dizê-lo. É que, com eles, não há tiques de estrelas nem vaidades mal disfarçadas. “Deixe-me apresentar-lhe os nossos campeões”, apressa-se a dizer um dos funcionários do Velódromo Nacional de Sangalhos (município de Anadia), que se detém, com entusiasmo, assim que os vê chegar ao recinto. Os gémeos brindam ambos com um sorriso, mas parecem pouco à vontade, com a timidez de quem ainda não se habituou a ser o centro das atenções. Ivo e Rui Oliveira, gaienses, trouxeram dos Mundiais de ciclismo de pista de juniores, que decorreram na Coreia, quatro medalhas para Portugal — uma delas de ouro —, depois de, no intervalo de um ano, terem garantido outras cinco.

“Quando foram os campeonatos da Europa deste ano [que renderam aos dois irmãos três medalhas], houve um representante do Comité Olímpico que pediu para falar comigo, através de um tradutor, e me perguntou assim: ‘Como é que foi fazer isto? Não um prodígio, mas logo dois!’ Você imagina o que um pai sente a ouvir isto?”, entusiasma-se Fernando Oliveira, mal recebe a chamada do PÚBLICO, voz a transbordar de felicidade, ou não fosse ele um dos grandes obreiros do sucesso dos novos meninos bonitos do ciclismo de pista em Portugal. “Eu, infelizmente, nunca consegui ser ciclista, as coisas eram complicadas e precisava de ajudar os meus pais. Mas pus o meu irmão mais novo e os meus três filhos todos a correr. E, nesta família, temos esta coisa de levar muito a sério tudo aquilo em que nos metemos”, assegura.

Os “meninos” — como carinhosamente lhes continua a chamar, ainda que estejam prestes a fazer 18 anos — não o deixam mentir. Chegam ao velódromo (habitual palco dos estágios e das provas nacionais) com poucas palavras, mas assim que surgem em pista com os equipamentos do Clube da Bairrada, que representam desde o início do ano, parecem devolvidos ao seu habitat natural.

“O nosso segredo é o trabalho, estarmos sempre focados em alcançar os objectivos que traçamos. As medalhas que já ganhámos são fruto de muito sacrifício”, garante Rui, que, no intervalo de um ano, ganhou uma medalha de prata e três de bronze, divididas entre as disciplinas de scratch e madison.

Espírito de sacrifício esse que se reflecte, por exemplo, nos 90 quilómetros que pedalam diariamente, quase sempre entre a zona da Rechousa (Gaia), onde moram, e algumas localidades das redondezas como Castelo de Paiva ou Santo Tirso. “Mas nunca pensámos em chegar a ser campeões do mundo nem em ganhar estas medalhas todas”, confessa Ivo, que, aos títulos de campeão da Europa e do mundo em perseguição individual (juniores), junta mais três medalhas de bronze, em omnium, pontos e madison.

Um trabalho de equipa fomentado por uma amizade excepcional, que em muito extravasa os limites da pista. “Têm uma união incrível. Em casa, passam horas a estudar tácticas, a analisar as pistas e nas corridas matam-se um pelo outro. Se um está com um problema, o outro parece que se transcende para compensar”, orgulha-se o pai Oliveira.

E há ainda um terceiro irmão, mais velho, mas igualmente talhado para o ciclismo. Basta ver que, na última Volta a Portugal, Hélder Oliveira correu na OFM-Quinta da Lixa, a equipa do campeão Gustavo Veloso. “Tomámos-lhe o gosto através do meu pai e do meu irmão”, explica-nos Ivo, enquanto surge outra funcionária, de telemóvel em riste, determinada a guardar uma recordação dos novos ases do ciclismo.

É que foi precisamente o ?irmão Hélder, que já corria quando os gémeos nasceram, quem lhes deu a primeira bicicleta de brincar, tinham eles quatro anos. “Andavam lá em casa e deram-me cabo dos móveis todos. Aos seis anos, quase me obrigaram a pedir uma autorização especial para poderem começar a correr. E eu digo-lhe uma coisa, aquilo era só visto. Começaram logo a ganhar! Acredita que nunca ficavam abaixo dos cinco primeiros?”, recorda Fernando.

Nesta altura, os gémeos ainda se dedicavam em exclusivo ao ciclismo de estrada. Hoje, apesar de as provas nesta vertente preencherem a maior parte do calendário (ainda recentemente, Ivo e Rui garantiram, respectivamente, o primeiro e o segundo lugar na Volta a Loulé), é dentro do pavilhão que mais alegrias têm dado à família. “Há três anos, levámo-los a experimentar o ciclismo de pista e ficámos de boca aberta. Mesmo com aqueles ‘charutos’, como nós chamamos às bicicletas que não são grande coisa, eram uns craques. Têm tanto talento que, na primeira vez que participaram numa prova em Espanha, ganharam 3 de 4 etapas”, prossegue o pai, com o entusiasmo de quem era capaz de falar dos sucessos dos filhos durante horas.

Só que, em Portugal, viver apenas do ciclismo de pista não é uma opção. Por isso, o futuro passa por conciliar ambos, adicionando cada vez mais troféus às duas vitrinas de prémios que o senhor Oliveira foi religiosamente enriquecendo com os anos e à qual terá de juntar agora a camisola de campeão do mundo que Ivo trouxe da Coreia.

Qual camisola amarela qual quê, “esta é muito melhor, é a que todos querem”, brinca Ivo, no único momento de auto-elogio que se permite. E Fernando até já tem um espaço guardado para a distinção que falta. “A medalha olímpica é o meu grande sonho. De preferência duas, uma para cada um”, graceja. Legitimidade para sonhar não lhe falta — afinal, os feitos dos dois gémeos dão-lhe permissão para isso.

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