Jorge Ferreira, um estudante de Filosofia na rota do título máximo de xadrez

O xadrezista portuense, de 21 anos, alcançou a liderança do ranking nacional e está bem lançado para obter o exigente título de Grande Mestre.

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Fernando Veludo/NFactos
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Jorge Viterbo Ferreira é a nova grande esperança do xadrez nacional para alcançar o título de Grande Mestre, o galardão mais elevado outorgado pela Federação Internacional (FIDE), que apenas três portugueses até agora obtiveram. António Antunes, o português que alcançou a melhor posição de sempre no ranking internacional, tendo ultrapassado os 2550 pontos, mas já retirado há mais de uma década; Luís Galego, também já quarentão e que não joga em Portugal por se ter incompatibilizado com a actual direcção da federação; e o já veterano António Fernandes, recordista de títulos nacionais absolutos conquistados, são os três mosqueteiros da modalidade. Agora, um D'Artagnan poderá juntar-se ao grupo.

Aos 21 anos, Jorge Ferreira é o representante da nova geração de xadrezistas mais bem colocado para poder vir a alcançar o título, tendo conquistado a primeira das três normas necessárias no campeonato nacional por equipas, de Agosto passado, no qual foi o melhor primeiro tabuleiro, representando o Grupo Desportivo Dias Ferreira.

Uma norma implica a realização de uma prestação com uma performance superior a 2600 pontos, defrontando ao longo da prova pelo menos um terço de adversários que possuam o título de Grande Mestre. Também em duas das três normas necessárias os adversários deverão ser de três nacionalidades diferentes. Um conjunto de exigências que tornam a obtenção do título extremamente difícil, principalmente num país onde os apoios à modalidade são tão escassos.

Mas Jorge Ferreira está, sem dúvida, no bom caminho, como o demonstram a sua recente liderança do ranking nacional, no qual ultrapassou Luís Galego, e o facto de se manter invicto nas últimas 66 partidas que disputou, defrontando vários cotados Grandes Mestres.

A nível da sua formação académica, a descoberta da vocação não foi fácil, tendo inicialmente frequentado o primeiro ano do curso de Física da Universidade do Porto. No entanto, apesar de ter concluído o primeiro ano com média de 16 valores, sentiu que não era a área que verdadeiramente desejava, o que o levou a mudar para Filosofia, especialização na qual tem vindo a desenvolver um percurso notável. É o melhor aluno da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, com média de 18 valores, o que lhe valeu a atribuição do prémio “incentivo”, uma espécie de bolsa de mérito.

No futuro próximo, pretende candidatar-se ao mestrado numa prestigiada Universidade da União Europeia ou dos Estados Unidos, mas para já o seu grande empenho centra-se na concretização das duas normas em falta para o título - e em ultrapassar a barreira dos 2500 pontos no ranking, encontrando-se a uns escassos 22 pontos desse objectivo.

“A possibilidade de um ano sabático inteiramente dedicado ao xadrez não está fora de hipótese, mas, apesar da minha paixão, o profissionalismo não me parece uma opção realista, a menos que surjam apoios que garantam a estabilidade financeira e me permitam participar nos torneios sem estar pressionado pela necessidade da obtenção de um prémio pecuniário aceitável", explicou ao PÚBLICO. 

A sua descoberta do xadrez aconteceu ao 11 anos, algo tardiamente se comparamos com o que acontece com os jovens xadrezistas europeus, e a aprendizagem do jogo foi por autodidactismo, através da Internet e de um programa que o pai lhe oferecera. Motivado por uma prova simultânea realizada na sua escola, decide federar-se e antes de ter decorrido um ano de iniciação na modalidade e sagra-se vice-campeão distrital, ainda com 11 anos. No ano seguinte, é campeão jovem, para um ano depois, com 14 anos, se converter no mais jovem campeão distrital absoluto do Porto.

Aos 15 anos, alcança o primeiro título, o de mestre FIDE, que a federação internacional automaticamente outorga quando um jogador ultrapassa os 2300 pontos de ranking. E não demoraria muito para o título de Mestre Internacional, com a terceira norma a ser alcançada em Julho de 2013. Entretanto, sagra-se campeão nacional de sub-18 em 2011, e obtém uma excelente classificação no Europeu da categoria, igualado na 11.ª posição com mais sete jogadores, num elenco com mais de uma centena de participantes e terminando invicto.


Que tipo de esforço está por trás deste desempenho? "No dia-a-dia dedico cerca de duas horas diárias ao estudo do xadrez nas suas várias vertentes, aberturas, meio-jogo e finais, mas em férias escolares a dedicação é maior. Tudo o que ganho no xadrez é também investido, quer em material didáctico, livros e material informático, quer na contratação de treinadores cujo contacto é feito via Skype, o que retira uma significativa fatia da rentabilidade pela ausência da empatia que o treino presencial promove entre os intervenientes”, detalha.

A melhor classificação no campeonato nacional absoluto aconteceu no ano passado, quando foi segundo atrás de António Fernandes, e na edição deste ano, contra todas as expectativas, a classificação repetiu-se. No entanto, Jorge Ferreira não ficou desiludido e deixou rasgados elogios a Fernandes, que, ultrapassados os 50 anos, mantém uma energia e competitividade invejáveis: “Era ele que parecia ter 20 anos enquanto nós, os jovens, à beira dele parecíamos pouco ambiciosos, não colocando sobre o tabuleiro metade da energia e vontade de vencer que o Fernandes manifesta”, referiu.

Dotado de uma excelente memória, Jorge Ferreira recorda quase todas as partidas que já disputou com facilidade, uma ferramenta que partilha com alguns dos melhores jogadores mundiais, como por exemplo Magnus Carlsen, e que é de grande utilidade para uma rápida aprendizagem. Esta "ferramenta", associada a uma excelente capacidade de cálculo, permite-lhe resolver favoravelmente situações de elevado grau de complexidade.

O  antigo candidato ao título mundial, o Grande Mestre canadiano Kevin Spraggett, há longos anos radicado em Portugal, concretamente na Guarda, já foi seu treinador e Jorge não põe de lado a possibilidade de voltar a trabalhar com ele, mas as restrições financeiras são um entrave considerável para treinos frequentes e presenciais. Assim, sem um apoio de entidades que lhe permita ultrapassar estas dificuldades, a sua evolução será sempre mais difícil, mas o seu talento é garantia de que não tardará muito para que um novo Grande Mestre enriqueça o historial do xadrez português.    

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