Jens Voigt, o tipo mais “porreiro” do pelotão

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Jeff Pachoud/AFP

Desde que somos gente que nos lembramos de Jens Voigt no Tour - e já lá vão 17 verões, 17 edições, um número que iguala o recorde de presenças de George Hincapie, o homem sombra de Lance Armstrong, na maior de todas as provas.

Podíamos discorrer durante horas sobre as tardes que passámos em frente à televisão a vê-lo em fuga. Sobre as vitórias de etapas na Grande Boucle (duas, uma em 2001 e outra em 2006). Sobre aquele dia em que o vimos, cara inchada, discurso pausado, a lamentar a picada e uma recém-descoberta alergia às abelhas. Sobre o trabalho incansável para líderes como os irmãos Schleck ou Carlos Sastre. Sobre as vincadas posições antidoping. Sobre os eternos 42 anos, os seis filhos. Ou sobre o facto de ser o alemão mais afável que já conhecemos no ciclismo.

Mas hoje escolhemos falar do episódio que resume na perfeição quem é "The Jensie" (o diminutivo escolhido pelo próprio para nick no Twitter). Julho de 2011, Alpe D’Huez. Voigt trabalhava, como habitual, para os irmãos Schleck. Depois de, no carrossel da etapa, perder, momentaneamente, o contacto com o pelotão, consegue recuperar e chega aos seus líderes. Descai até ao carro da equipa, recolhe água fresca, e entrega os bidões aos luxemburgueses. Cumprida a missão daquele dia, relaxa, descola do grupo da frente, e sobe a emblemática montanha em solitário.

Ao seu ritmo, pedala encosta acima, aproveitando para, em câmara lenta, apreciar a paisagem e a festa que os adeptos fazem na estrada. Pela cabeça passa-lhe a ideia de que esta pode ser a última vez que sobe o Alpe D’Huez. A três quilómetros do alto, esvazia o seu último bidão e procura, no meio da multidão, algum miúdo a quem entregar a preciosa recordação. Encontra um menino, mão dada com o pai. Desvia-se até ele, deixa cair a garrafa aos seus pés.

“Então, para minha incredulidade total, um homem de meia-idade abalroa o miúdo, como se estivesse no Super Bowl! Enquanto o pobre miúdo tentava recuperar o equilíbrio, o homem agarra o bidão e começa a afastar-se. Vi isto e continuei a pedalar, mas dentro de mim crescia a desilusão e a raiva – sim, raiva”.

Revoltado, pôs o pé no chão, deu meia volta com a bicicleta e começou a descer. Na berma da estrada, os fãs observavam em silêncio. “Finalmente, alcancei o tipo. Apontei para dentro da mala dele e disse-lhe que o bidão que tinha agarrado era para aquele miúdo”. A multidão irrompeu num aplauso. “Senti-me como se tivesse ganho a camisola amarela”. Não vestiu a amarela, mas desde aí Jens Voigt ganhou a fama, merecida, de ciclista mais “porreiro” do pelotão.

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