Isidro Lángara, o goleador que desafiou Franco, Hitler e Mussolini

Foi o melhor marcador em três países, apesar de uma carreira prejudicada pela Guerra Civil espanhola.

Isidro Lángara, ao centro, quando jogava no México
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Isidro Lángara, ao centro, quando jogava no México DR
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Lángara recebe um abraço durante a partida de 11 de Março de 1934, na qual apontou cinco golos a Portugal DR
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Colónia, 1935: Lángara silenciou um estádio repleto de bandeiras nazis ao “bisar” no triunfo de Espanha sobre a Alemanha DR

Esta é a história daquele que podia ser hoje conhecido como o melhor avançado da história do futebol espanhol, não fosse ter visto a carreira afectada pela Guerra Civil que levaria o general Franco ao poder em Espanha. Conta quem o viu jogar que Isidro Lángara era um prodígio de força física e de poder de remate, e os números não mentem: sagrou-se “Pichichi” da Liga espanhola em três épocas consecutivas, ao serviço do Oviedo. E, mesmo longe de Espanha, continuou a golear. Foi o melhor marcador nos campeonatos de México e Argentina, por onde andou durante a Guerra Civil espanhola. Ninguém, até aos nossos dias, foi capaz de superar a sua média de golos com a camisola da selecção espanhola – marcou 17 nas 12 partidas que disputou (um golo a cada 63 minutos).

Nascido em 1912 em Pasaia, no País Basco, Isidro Lángara cedo deu nas vistas e aos 18 anos foi contratado pelo Oviedo. Estreou-se com dois golos, um bom prenúncio do que iria ser o resto da sua carreira. Foi o melhor marcador da Liga espanhola entre 1933-34 e 1935-36, mas quando se encontrava de férias na terra natal foi surpreendido pelo início da Guerra Civil espanhola. Euskadi manteve-se fiel à República, e em 1937 Lángara partia em digressão com uma selecção basca que iria angariar fundos para as vítimas do conflito e também recolher apoios para a causa basca.

Entretanto, tinha-se já estreado pela selecção espanhola, em 1932. Portugal foi a vítima preferida de Lángara: a 11 de Março de 1934, no Estádio de Chamartín, a equipa nacional foi batida por 9-0, com cinco golos do avançado basco. Uma semana depois, no Lumiar, os espanhóis voltaram a vencer (1-2), com “bis” de Lángara. Ainda voltou a cruzar-se com a selecção portuguesa em 1935, apontando outros dois golos.

Antes do “desafio” a Franco, Isidro Lángara já tinha feito frente a Mussolini e Hitler. No Mundial 1934, organizado pela Itália, o cañonero de Oviedo deu muitas dores de cabeça à equipa da casa, no jogo dos quartos-de-final. A partida, marcada pelo jogo violento dos italianos, valeu um lugar na história (infame) do futebol ao árbitro René Mercet. Il Duce acabaria por conseguir o objectivo de levar a Itália ao título. Já em 1935, a Espanha foi a Colónia jogar contra a Alemanha, mas o estádio repleto de suásticas ficou em silêncio com os dois golos de Lángara.

Com a ascensão de Franco ao poder em Espanha, a selecção basca decidiu não regressar a casa, mas antes seguir viagem para as Américas. Competiram como Club Deportivo Euskadi no campeonato local, e, por essa altura, Lángara já tinha tal fama que, contavam os seus antigos companheiros no Oviedo, as cartas que lhe escreviam não levavam mais indicações que: Isidro Lángara (México). A equipa seria desmembrada em 1939 e Lángara seguiu para a Argentina, assinando pelo San Lorenzo de Almagro. Mal desembarcou em Buenos Aires, estreou-se com quatro golos frente ao River Plate.

Descrito por quem privou com ele como um “bom homem, de origem humilde e sem qualquer traço de vedeta”, Isidro Lángara não resistiu ao apelo do Oviedo e regressou a casa em 1946. Atraiu uma multidão tal que o comboio onde viajava teve de parar muito antes de chegar à cidade. Terminou a carreira em 1948, tal como tinha começado: com dois golos. Após várias experiências como técnico pela América do Sul, regressou ao País Basco, onde morreu em 1992. E as balizas adversárias deixaram de estar sob ameaça.

Planisférico é uma rubrica semanal sobre histórias de futebol e campeonatos periféricos

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