Haverá relação entre sono e alimentação no atleta?

Mónica Sousa, nutricionista na componente desportiva, fala da importância do sono e da alimentação para uma melhor perfomance.

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O que é que o sono tem a ver com a alimentação? Provavelmente muito mais do que imagina! Todos sabemos que o sono tem uma importante função biológica, nomeadamente por influenciar positivamente a aprendizagem, a memória, a função cognitiva e quase todos os processos fisiológicos. É geralmente aceite que o sono permite recuperar do período anterior que estivemos acordados e/ou preparar o organismo para o próximo período de vigília. Assim, para evitar défices neurocomportamentais, recomenda-se que os adultos devam dormir cerca de oito horas por noite.

Relativamente aos atletas, as suas necessidades de sono ainda são amplamente desconhecidas. E, apesar de o sono ser reconhecido como um componente essencial para a recuperação e preparação para o treino seguinte, existe pouca evidência directa que suporte ou refute este facto (existem alguns estudos indirectos, que serão apresentados de seguida). Deste modo, o sono é actualmente considerado uma das novas fronteiras na melhoria do rendimento.

Dos estudos existentes, alguns têm vindo a demonstrar uma relação negativa entre o desempenho desportivo e a privação do sono, nomeadamente:

1. Redução da força;

2. Alteração do humor, com maiores níveis de confusão, de falta de vigor, e fadiga;

3. Redução do rendimento na corrida de endurance;

4. Diminuição do tempo em sprint, com alteração das estratégias do ritmo de sprint, redução do conteúdo em glicogénio muscular, redução da força voluntária e da activação voluntária;

5. Melhoria do rendimento associado ao basquetebol (sprints mais rápidos, melhor precisão a encestar), melhor humor, menos sonolência e menores níveis de fadiga, após aumento do tempo de sono. 

A outros níveis, alterações no sono poderão desregular a nossa resposta imunitária normal e alterar os níveis de hormonas (leptina e grelina) implicadas na regulação do apetite e, por isso, uma baixa qualidade/quantidade de sono parecem ser um factor de risco para ganho de peso. Mais ainda, alterações no padrão de sono poderão levar ao aumento da secreção de hormonas catabólicas como o cortisol e alteração da secreção de hormonas anabólicas como a testosterona e o factor de crescimento semelhante à insulina tipo 1 (do inglês insulin-like growth factor 1, IGF-1), parecendo favorecer a redução da síntese proteica e/ou aumento da proteólise e, assim, prejudicar a recuperação muscular.

Em relação à nutrição propriamente dita, um primeiro factor que poderá alterar/melhorar o sono é disponibilidade do aminoácido triptofano. Isto porque o triptofano é essencial para a produção de melatonina, uma hormona que influencia o clico de sono-vigília, por promover o sono. Tendo em conta que os aminoácidos de cadeia ramificada (BCAA) competem com o triptofano para entrar no cérebro, estratégias que reduzam a concentração plasmática destes BCAA poderão ser interessantes no caso de se querer regular o sono. Neste sentido, a ingestão de hidratos de carbono poderá ajudar! Os hidratos de carbono vão estimular a produção de insulina que, por sua vez, estimula a entrada dos BCAA para o músculo, reduzindo a sua concentração no sangue. Outra estratégia é aumentar a ingestão de triptofano. Doses de 1g de triptofano parecem melhorar o tempo de latência (tempo até adormecer) e a qualidade do sono, e podem ser encontrados, por exemplo, em ≈300 g de peru ou ≈200g de sementes de abóbora. O exercício físico também contribui para uma captação selectiva dos BCAA pelo músculo.

Ainda falando dos hidratos de carbono, alimentos com alto índice glicémico (hidratos de carbono rapidamente absorvidos) poderão ser benéficos quando consumidos quatro horas antes de ir deitar (vs. alimentos de baixo índice glicémico e vs. refeição um horas antes de ir deitar). 

Em relação à distribuição dos macronutrientes, uma dieta rica em hidratos de carbono poderá resultar em menor tempo de latência, dietas ricas em proteína poderão melhorar a qualidade do sono e dietas ricas em gordura poderão influenciar de forma negativa a tempo total de sono. Além disso, refeições sólidas parecem ser uma melhor opção que refeições líquidas e o consumo de leite e queijo parece ser benéfico para quem tem dificuldade em adormecer. 

Apesar de ainda não haver trabalhos que estudem directamente o trio sono?rendimento?alimentação, parece haver alguma base científica para sugerir que poderão estar relacionados. Deste modo, tente ter uma boa higiene do sono, respeitando os tempos de recuperação, e alimentando-se de uma forma saudável, variada e completa. Poderá recorrer a algumas das estratégias acima mencionadas caso tenha alterações relacionadas com o sono. 

*Mónica Sousa, nutricionista na componente desportiva, colaborou com a Federação Portuguesa de Atletismo. Foi nutricionista da equipa de futebol sénior do Vitória de Setúbal e colaborou com a Federação Portuguesa de Natação, entre outras modalidades. Doutorada em Ciências do Desporto, especificamente na área de nutrição no desporto de alto rendimento
Qualquer dúvida ou questão pode ser enviada por email para monicasousa.ionline@gmail.com 

 

 

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