Futebol global, analógico e sem filtros

Um projecto que pretende reunir fotografias de tudo o mundo tiradas com máquinas descartáveis.

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O futebol amador nos Montes Urais Sergey Novikov/Goal Click
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Nevoeiro no derby de Belgrado entre o Estrela Vermelha e o Partizan David Vujanic/Goal Click
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O futebol de amputados na Serra Leoa Abraham Bangura/Goal Click
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Futebol à chuva em Mumbai Blessy Sippora/Goal Click
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Um adepto do Sydney FC Chris Round/Goal Click
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Crianças e bolas de futebol no Kurdistão iraquiano Anónimo/Goal Click
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Os escolhidos para o Goal Click recebem todos uma máquina igual a esta DR

Uma rapariga de um bairro de lata de Mumbai, um treinador do Curdistão iraquiano, um fotógrafo profissional de Sydney, um missionário da Serra Leoa. Todos tinham a mesma “arma” na mão e a mesma missão. Uma câmara fotográfica descartável para contar a sua própria história de futebol. Não se trata aqui de fotografar e partilhar dois segundos depois no Instagram. Esta é um projecto analógico e os momentos captados, seguem pelo correio (não por email), são revelados e só depois partilhados, sem filtros, com o mundo.

A menina de Mumbai e o fotógrafo de Sydney foram dois dos que responderam ao apelo do “Goal Click”, um projecto fotográfico criado por dois britânicos, Matt Barrett e Ed Jones, para mostrar o futebol em vários cantos do mundo. Há muitos projectos parecidos, mas este é especial. Não há aqui máquinas digitais que permitem tirar um número infinito de fotos. Cada um dos candidatos a fotógrafo de futebol está limitado às 27 fotografias disponíveis na máquina descartável. Não tem lentes, nem zoom. Tem, se precisar, o flash embutido na câmara.

“Queremos que todos os nosso fotógrafos estejam em igualdade. Uma câmara analógica para cada um. A nossa menina indiana de 14 anos tem as mesmas ferramentas do nosso fotógrafo australiano. Assim, as fotos podem ser comparáveis e podemos coloca-las lado a lado, em forma de colecção”, diz Matt Barrett, um dos promotores do projecto, em entrevista ao site “Thin White Line”. “Nem todas as fotos serão perfeitas, mas cada foto será única. Cada foto terá uma história e terá sido pensada de forma muito cuidadosa.”

Já são algumas as histórias contadas por este projecto desde Maio do ano passado. A primeira máquina a chegar a Jones e Barrett veio da Serra Leoa, do Pastor Abraham Bangura. As suas 27 fotos mostram a equipa da qual é treinado, formada por homens com membros amputados durante guerra civil que assolou o país entre 1991 e 2002. “Muitos dos rapazes que jogam agora na nossa selecção nacional e no campeonato gostavam de futebol antes da guerra. Foi por isso que criámos estas equipas de futebol para amputados, para transformar a sua dor em força”, conta o Pastor Abraham no blogue do Goal Click.

As fotografias do Pastor Abraham mostram homens sem braços e pernas a jogar futebol, provas documentais de que a dor, de facto se transformou em força. As de Blessy Sippora, uma rapariga de 14 anos de um bairro pobre de Mumbai, mostram como o futebol serve para ultrapassar outro tipo de limitações. “Na Índia existe uma mentalidade de que as raparigas não devem jogar, que devem ficar em casa e, depois, casam-se. Eu acho é que as raparigas querem jogar”, considera Blessy, que fotografou a sua própria equipa.

Rapazes e raparigas a jogar futebol em Kirkuk, uma claque do Sydney FC ou futebol amador nos Montes Urais sem placard electrónico são outras das histórias que o “Goal Click” já mostrou ao mundo. Barrett e Jones já mandaram câmaras descartáveis para cerca de 50 países, mas querem fotografias de todas as latitudes, e até de territórios que, oficialmente, não são países.

“Tecnicamente, a nossa lista tem 249 estados, territórios e províncias. Estamos abertos a mandar câmaras para lugares com reconhecimento limitado, como o Kosovo, ou lugares como as Ilhas Falkland/Malvidas, a Transnítia e o Tibete”, refere Matt Barrett, que espera fazer uma exposição ou até um livro, quando tiver material suficiente. Basta uma fotografia em 27 que capture, como diz o manifesto do “Goal Click”, “o bom, o mau, a loucura, o estranho, a diversão, a paixão e a força do futebol”.

* Planisférico é uma rubrica semanal sobre histórias de futebol e campeonatos periféricos

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