Formação, uma necessidade a aguçar o engenho em Guimarães

A actual matriz do segundo classificado da Liga foi acelerada pela crise financeira, mas Rui Vitória tem exponenciado os talentos da academia. Desde 2012, já lançou 18 jogadores na equipa principal.

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Hernâni, Tomané e Mensah, três produtos da formação do Vitória em grande destaque neste arranque de época Miguel Riopa/AFP

Rui Vitória já o disse, em Abril, numa conferência em Lisboa, e o diagnóstico continua actual: “Os fundos vão acabar e os clubes vão ter muitas dificuldades em comprar jogadores com qualidade. Por isso, é preciso cada vez mais apostar na formação de jogadores e também na formação de formadores”. Fala quem sabe. O treinador do Vitória de Guimarães, equipa que está a superar todas as expectativas neste arranque de temporada, é um especialista no aproveitamento da matéria-prima dos escalões jovens. E é com essa arma que está a fazer sombra aos chamados “grandes” do futebol português.

Quando a crise económica bateu à porta do Estádio D. Afonso Henriques, os alarmes soaram. Com o clube entre a espada e a parede, as circunstâncias obrigaram a uma mudança abrupta de paradigma e a direcção comandada por Júlio Mendes, eleito em Março de 2012, no auge do sufoco financeiro, encontrou no treinador uma válvula de segurança. Rui Vitória, que substituíra Manuel Machado no comando técnico logo no arranque da Liga, recebera uma equipa ainda montada com recurso ao livro de cheques, mas precisava de encontrar outra fonte para a alimentar de então em diante.

“Foi uma mudança feita por necessidade, que em condições ideais não deve ser feita tão bruscamente, foi um risco muito grande. Só a grande competência do treinador, a compreensão de uma massa associativa que é muito exigente e a persistência da direcção, que é quem define a estratégia do clube, é que permitiram que se fizesse sem sobressaltos”, avalia José Pereira, ex-director desportivo do Vitória e actualmente presidente da Associação Nacional de Treinadores de Futebol (ANTF).

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Começava, então, um novo capítulo na vida do clube. Impulsionado pelo lançamento da equipa B, em 2012-13, o V. Guimarães começou a olhar com atenção redobrada para o seu viveiro e o treinador foi tirando coelhos da cartola. Tiago Rodrigues e Ricardo Pereira rapidamente começaram a dar nas vistas na I Liga, de tal forma que foram resgatados pelo FC Porto. Mais tarde, seguiu-se Paulo Oliveira, um central que se afirmou sem reservas e que nesta temporada se transferiu para o Sporting. E há mais um conjunto de pérolas da academia (de Bernard Mensah a Hernâni, de Josué a Ricardo Gomes) que Rui Vitória ainda continua a polir.

No total, o treinador português já promoveu a estreia na equipa principal de 18 jogadores da formação nos últimos dois anos e meio. E, nesse particular, o V. Guimarães B tem sido a plataforma privilegiada para esta gestão. “Agora, contratam-se menos jogadores para a equipa A, contando precisamente com as opções da equipa B. A garantia de que os jogadores podem ir à equipa principal e, se não jogarem, podem voltar à equipa B, dá mais tranquilidade aos atletas e ao treinador”, argumenta José Pereira, em declarações ao PÚBLICO.

Esse jogo de cintura que é feito entre os dois universos permite incutir ritmo competitivo aos jogadores, mas o facto de a subida de patamar ser feita de forma quase natural é, também, no entender do dirigente da ANTF, mérito dos formadores. “A competência dos treinadores nos escalões de formação melhorou significativamente. Trabalha-se melhor do que antigamente”, garante, assegurando que os jovens atletas estão hoje “bem preparados”, tanto física como tacticamente, e que exibem grande capacidade de adaptação aos diferentes sistemas de jogo.

De resto, José Pereira confirma que essa ponte é feita de forma gradual. “O Rui [Vitória] levava sempre juniores a treinar, uma opção que até nem tinha grande significado em relação ao momento, mas que era tomada a pensar no futuro, e esses jogadores iam-se motivando pelo contacto com os mais experientes. Há uma aproximação, uma forte ligação entre os jovens e os seniores”, atesta.

Os números estão aí para o provar. No último encontro para a Liga, em Arouca, Rui Vitória lançou cinco produtos da formação no “onze” inicial e ainda saltaram do banco mais dois no decorrer da partida, que terminou com um triunfo (1-2) que deixou a equipa isolada no segundo lugar da classificação, à frente do FC Porto e a dois pontos do Benfica, já depois de, à 10.ª jornada, ter defrontado dois dos candidatos ao título.

“As equipas B são, de facto, uma ajuda significativa para que os jogadores vão competindo e complementando a sua formação. Quando entram logo na equipa principal, às vezes ficam tolhidos e acontece o retrocesso de uma formação equilibrada”, acrescenta José Pereira.

Não é o caso. A influência dos jovens “reforços” em Guimarães pode comprovar-se a partir de mais este dado: dos 20 golos apontados na Liga, 11 têm a assinatura da academia, aos quais se somam assistências perfeitas como as que, por exemplo, Hernâni produziu no triunfo categórico sobre o Sporting (3-0). Ao talento começa a juntar-se a maturidade. Mesmo num plantel com uma média de idades de 24 anos.

O PÚBLICO contactou também o director desportivo e o responsável pela formação do Vitória, mas os representantes do clube não prestam declarações nesta altura.

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