Farewell, Boleyn Ground

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Ian Kington/AFP

Na história do futebol inglês há uma mão cheia de palcos míticos cujas memórias apenas podem ser resgatadas nos arquivos de imagens. Do lendário Highbury Park ao The Dell, passando por Ayresome Park e Victoria Ground, alguns dos estádios que ajudaram a escrever as melhores páginas da história daquele que é, para muitos, o mais apaixonante campeonato europeu, desapareceram, trocados por modernos e cómodos recintos. Para desgosto da “velha guarda”, que se opõe ao “futebol moderno”, há mais um palco centenário que, muito em breve, será reduzido a pó: O Boleyn Ground, casa do West Ham durante 112 anos, recebeu na passada terça-feira o seu último jogo e será demolido em breve.

Se a lógica tivesse prevalecido e o favoritismo de Paris confirmado, o mais provável era que o Boleyn Ground, também conhecido por Upton Park, continuasse a ser, durante mais um bom par de anos, a carismática casa do West Ham. No entanto, quando a 6 de Julho de 2005 o Comité Olímpico Internacional anunciou que Londres tinha derrotado Paris na corrida à organização dos Jogos Olímpicos de 2012, sem que os adeptos dos “hammers” soubessem, estava dada a sentença de morte do Boleyn Ground.

Do ponto de vista económico, o negócio é aliciante: o West Ham vendeu os terrenos onde está construído o Boleyn Ground, num negócio avaliado em perto de 45 milhões de euros, e a partir da próxima temporada o clube londrino passará a jogar no The Stadium, o Estádio Olímpico de Londres, pagando cerca de três milhões de euros por temporada pelo “aluguer” – esse valor será reduzido a metade em caso de descida de divisão. No entanto, o acordo entre o clube do East End londrino e a Corporação de Desenvolvimento do Legado de Londres, que é válido para os próximos 99 anos, promete ser uma mina de ouro para o West Ham. Se o naming do estádio foi vendido por um valor superior a cinco milhões de euros, os “hammers” terão direito a metade do valor. Mas há uma avolumada receita que já não foge: os cinquenta mil lugares cativos disponíveis para a próxima época já foram todos vendidos e já existe uma lista de espera para 2017-18.

O sucesso financeiro da operação, que permitirá, segundo os responsáveis do West Ham, a um aumento do investimento na equipa de futebol, não convence uma parte considerável dos adeptos, que se mantêm fieis à tradição proletária do clube e não se deixam persuadir pela lógica de mercado do futebol. Fundado em 1895 por trabalhadores da estiva das docas do rio Tamisa com o nome Thames Ironworks FC – a denominação actual foi adoptada em 1900 -, o West Ham sempre se caracterizou pela estreita relação entre os seus fervorosos adeptos, a maioria deles pertencentes à classe média e operária de Londres, e o Boleyn Ground. Foi no agora ex-estádio dos londrinos que começou a ser construída aquela que é rotulada como a rivalidade mais violenta de Inglaterra. Conhecido como o “East London Derby”, o primeiro duelo entre o West Ham e o Millwall teve lugar a 9 de Dezembro de 1899 e, quase cinco anos mais tarde, “hammers” e “lions” reencontraram-se no jogo de inauguração do Boleyn Ground, com uma assistência de 10 mil pessoas.

Palco dos festejos das conquistas de três Taças de Inglaterra (1964, 1975 e 1980) e uma Taça das Taças (1965),o Boleyn Ground chegou a ser atingido em 1944 por uma das temidas V1, a “bomba voadora” do regime nazi de Hitler que fustigou Londres durante a II Guerra Mundial. No entanto, os estragos provocados no recinto foram ligeiros e não impediram que anos mais tarde ícones do futebol inglês, como Bobby Moore, Martin Peters ou Geoff Hurst, trio que marcou presença no Mundial de 1966, fizessem de Boleyn Ground a sua casa. Mais recentemente, a história de Upton Park ficou também ligada ao futebol português – Dani, Paulo Futre, Paulo Alves, Luís Boa Morte, Porfírio e Ricardo Vaz Tê jogaram pelo West Ham -, e à estreia, em 2003, de Wayne Rooney pela principal selecção inglesa. Na passada terça-feira, o destino do capitão do Manchester United voltou a cruzar-se de forma indelével com a história do Boleyn Ground: num duelo digno do legado do centenário estádio, Rooney esteve em campo durante os últimos 90 minutos de futebol disputados em Upton Park, não conseguindo impedir a derrota do seu Manchester United frente ao West Ham (3-2).

Farewell, Boleyn Ground!

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