"Em Portugal conseguimos fazer provas ao longo de todo o ano"

Carlos Sá destaca o crescimento do trail e a democratização da modalidade: "Só 20% do pelotão corre tendo em conta a vitória".

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Nelson Garrido

O que há de especial na Peneda-Gerês?
O Gerês e a Serra d’Arga são os dois locais onde mais treino, pela proximidade [Carlos Sá vive em Barcelos] e pelas características espetaculares que estas montanhas oferecem. O Gerês tem um terreno muito diversificado tanto ao nível de trilhos, como das paisagens. Tem também desníveis consideráveis, o que é uma característica desta modalidade. Logo, tem condições absolutamente fantásticas para o trail running. Não temos a altitude dos Pirenéus ou dos Alpes, mas conseguimos ter algumas dessas características e é um cenário desafiante e espectacular.

Portugal tem condições para se tornar um grande centro da modalidade?
Temos médias montanhas, uma grande diversidade de paisagem e talvez o melhor clima da Europa. Conseguimos fazer este Campeonato do Mundo quase no Inverno, o que era impossível de acontecer nos Alpes ou nos Pirenéus. No calendário internacional, as provas estão muito concentradas. O Verão está recheado de provas deste género por todo o mundo. Em Portugal conseguimos fazê-las ao longo de todo o ano, o que é uma mais-valia. Além das provas, o país pode também ser um destino de treino. Internacionalmente, são cada vez mais os atletas que procuram viajar para fazer estágios. Nós conseguimos oferecer essas condições durante todo o ano, ao contrário da maioria dos outros países.

Havendo essas condições naturais, há todas as outras condições necessárias?
Infelizmente, não. Faltam apoios. São pouquíssimas as provas que têm apoios e mesmo as que os têm são em nível muito reduzido. A maioria dos apoios vem de câmaras municipais ou juntas de freguesia e pouco mais do que isso.

Não há apoios de âmbito nacional?
Não, até mesmo para este Campeonato do Mundo. Temos alguns apoios de empresas e outros pequenos apoios, um deles da Federação Portuguesa de Atletismo para o controlo antidoping. Mas são sobretudo as autarquias que financiam, sobretudo a de Braga, bem como as autarquias da área do Parque Nacional da Peneda-Gerês.

Qual é o caminho?
No próximo ano vou abrir o primeiro centro de trail running em Penacova e tenho mais dois centros para abrir – um no Parque Nacional da Peneda-Gerês e outro noutro local. Acho que o futuro pode passar por estes centros de treino, associados a percursos bem definidos, marcados e limpos, que qualquer pessoa do mundo possa vir e percorrer de forma autónoma. A ideia é adaptarmos o conceito do Caminho de Santiago ao trail. O Caminho de Santiago está marcado e qualquer pessoa chega a Santiago sem qualquer problema. Os centros de trail serão a melhor oportunidade para aproveitar todas essas potencialidades de que falamos, às quais acrescentaria mais duas. Hoje é muito barato e muito fácil vir a Portugal. Além disso, é muito rápido chegar-se aos lugares. As pessoas viajam para Barcelona e para ir para ao centro dos Pirenéus é pior do que atravessar Portugal de uma ponta à outra.

Esta pode tornar-se uma modalidade olímpica no médio prazo?
Não acontecerá nos próximos Jogos Olímpicos, mas penso que daqui a oito anos já vai ser.

Que mais-valias trará esse facto?
Uma democratização maior ainda da modalidade. Há sete ou oito anos consideravam-me o maluquinho que corria no monte. Hoje toda a gente admira aquilo que faço. Hoje temos cerca de 40% do pelotão de trail constituído por mulheres e esse número está sempre a crescer.

O que leva alguém a correr 85 quilómetros?
No trail, só 20% do pelotão corre tendo em conta a vitória e o seu tempo. O resto das pessoas vai para absorver a paisagem, ter um dia divertido e para se superar a si próprio. Se no final demorarem dez, 12 ou 15 horas, isso é pouco relevante. Essa mais-valia é que vai alimentar este desporto por muito mais tempo. Na maratona é muito difícil alguém ao fim de dez ou 15 quilómetros fazer todo o restante percurso a caminhar, porque até se sente envergonhado e tem a ambulância atrás a pressionar. No trail isso não acontece, o que torna a modalidade acessível a muito mais gente.

Como atleta, que desafios ainda lhe faltam conquistar?
A minha carreira está ainda a começar. Estou a preparar o calendário do próximo ano com os patrocinadores e acho que pode haver boas surpresas.

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