E tudo a gestão desportiva levou: as SAD dos três grandes em falência!

A criação das Sociedades Anónimas Desportivas (SAD) pelos denominados três grandes do futebol português prometia o advento da modernização da gestão do futebol profissional. Aspirava-se um real equilíbrio entre o objectivo primário de sucesso desportivo com a sustentabilidade económica e financeira dos clubes, desígnio que, perante o exemplo de sucesso relativo do modelo seguido pelo FC Porto, parecia fazer sentido para os restantes. Só que o sonho não resistiu à realidade das contas de 2012. Após 15 anos de resistência, a FC Porto SAD associou-se aos maiores rivais de Lisboa no grupo das SAD em falência técnica. O resultado da gestão nas três SAD é elucidativo: 438 milhões de euros de prejuízos acumulados!

Como é que os clubes chegaram a esta situação? A resposta é óbvia e conhecida: resume-se à ambição desmedida por títulos que os tem levado a gastarem muito para além daquilo que é comportável pelos rendimentos gerados na sua actividade. Ao que toda a gente parece indiferente é ao facto de, nas últimas quatro épocas, o volume de negócios ter registado um crescimento médio anual de apenas 4,2%, face a gastos com pessoal, fornecimentos e serviços externos e amortizações do exercício dos passes dos jogadores que aumentaram a uma taxa média anual de 8,8%, 2,9% e 15,5%, respectivamente.

Os clubes alemães da Bundesliga gastam em média 53% do volume de negócios nos salários com jogadores e restante staff, enquanto em Portugal esse rácio se situou nos 67%. Esta prática teve o auge na recente época, com a Sporting SAD e a FC Porto SAD a apresentarem rácios de 104% e 93%. E a FC Porto SAD justifica tão comprometedora prática de gestão afirmando que "a sociedade apostou no investimento da equipa com jogadores de elevada qualidade (...) que exigem remunerações adequadas ao seu estatuto". É pena que esta preocupação não seja extensível aos accionistas, de modo a proporcionar-lhes uma rendibilidade positiva do capital investido.

As amortizações e perdas por imparidade do exercício relativo a passes dos jogadores ascenderam a 88,9 milhões euros, reflectindo uma política de investimento que passa à margem de projecções realistas e, pior ainda, ignora por completo o período de recessão económica que o país atravessa. Na última época, as três SAD fizeram um investimento recorde de 144,2 milhões de euros na aquisição de novos jogadores, através de fundos destinados essencialmente ao mercado da América Latina. O que sobra é uma taxa de crescimento do investimento superior à evolução do volume de negócios, o que representa uma perda de produtividade dos activos. Por outro lado, as mais-valias na venda de jogadores não têm chegado para cobrir o nível de gastos. Nas últimas quatro épocas, os prejuízos operacionais antes e após amortizações e transacções com passes de jogadores e treinadores ascenderam a 113,2 e 133,6 milhões de euros, respectivamente. No entanto, na Alemanha, os clubes geram, em média, 9,5 milhões de euros de lucros sem os efeitos da venda e amortizações dos passes. Esta discrepância entre as duas realidades ilustra bem como a eficiência operacional dos clubes portugueses tem sido um mito alimentado por uma gestão que não criou bases sólidas na relação de equilíbrio entre performance desportiva e financeira.

Até que ponto a situação patrimonial é inquietante? A resposta clássica dos dirigentes é de que o valor de mercado do plantel é superior ao valor contabilístico e que algumas vendas de última hora não foram reconhecidas. Admitindo que o valor de mercado dos direitos económicos dos jogadores detidos pelas três SAD a 30 de Junho de 2012 ascendia a 515 milhões euros, o ganho bruto potencial de 284 milhões euros é insuficiente para recuperar os prejuízos acumulados. E aqui justifica-se um parêntesis para dizer que as mais-valias de 245,2 milhões de euros registadas, nas últimas quatro épocas, pelas SAD do FC Porto, Benfica e Sporting, poderiam ser bem superiores, caso os clubes não estivessem tão dependentes dos agentes de futebol. Na última época, a FC Porto SAD suportou 26,8 milhões euros com comissões de intermediação, prémios de assinatura e outros encargos associados à compra de jogadores.

O modelo de gestão usado nas três SAD só tem sido viável porque as instituições financeiras têm possibilitado o crescente endividamento dos clubes. Apesar da dificuldade de acesso ao crédito, a dívida financeira contraída com o futebol aumentou em 59,8 milhões de euros, atingindo o valor recorde de 411,9 milhões de euros (não incorpora a dívida relativa à construção dos estádios e dos valores mobiliários obrigatoriamente convertíveis da Sporting SAD), dos quais 274,4 milhões de euros de curto prazo. Aparentemente, esta dívida não representa "activos tóxicos" no balanço dos credores, pois, para além das garantias dadas, estes investidores conseguem taxas de juro certamente atractivas. Por exemplo, a Benfica SAD tem um financiamento com uma taxa de juro de 10,35% e a taxa média dos empréstimos bancários da FC Porto SAD foi de 7,62%. Tendo em conta o custo do capital alheio e uma rendibilidade do activo negativa de 9,3%, facilmente se conclui que as três SAD não estão a criar valor para os accionistas. De nada adiantam os slogans proclamados pelos dirigentes, do tipo "o clube é dos sócios e não de um qualquer investidor", pois o principal accionista de referência (o clube) ainda não recebeu qualquer dividendo da "brilhante" gestão das SAD.

Os clubes de futebol exigem uma gestão eficaz e eficiente, que requer competência, rigor e responsabilidade, requisitos que muitas vezes parecem ausentes das decisões dos gestores desportivos. Aos sócios e aos accionistas compete vigiar e pugnar pela defesa dos interesses do seu clube, que agora, mais do que nunca, não pode deixar de ser encarado também como a sua empresa!

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