É o Tribunal Arbitral do Desporto uma mercearia?

1. Creia o leitor – e estou seguro que muitos não terão dúvidas sobre o que afirmo – que entre outros títulos para esta opinião surgiu-me este, bem cativante para apelar à leitura de um texto sobre a instalação do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD). E ocorreu-me – é aqui que entra o leitor – antes de conhecer, pelo noticiário, a afirmação de Joseph Blatter: "A presidência da FIFA não é nenhum supermercado".

2. Mas o TAD não é, de facto, uma mercearia, com todo o respeito que merecem esses espaços comerciais em vias de extinção. Instalar um órgão com poderes jurisdicionais, um Tribunal, não é, de todo (gosto desta), o mesmo que abrir as portas de uma mercearia aos clientes. Numa mercearia até se pode abrir pouco a pouco, com mais ou menos produtos para vender. Tal não pode suceder com um tribunal e, no caso, com o Tribunal Arbitral do Desporto.

3. No passado dia 2, na página do Comité Olímpico de Portugal, foi publicada uma declaração, subordinada ao título “Instalação do Tribunal Arbitral do Desporto”, do seguinte teor: o TAD está instalado, para efeitos do disposto no artigo 5.º da Lei n.º 74/2013, de 6 de Setembro, e tem a sua sede em Lisboa, na Rua Braamcamp. Mais haveria a dizer sobre esta declaração, mas centremo-nos, por ora, no facto de o TAD se encontrar instalado. Estará mesmo?

4. Eu acho que não. Tentemos sintetizar. O referido artigo 5.º estabelece que “a presente lei entra em vigor no prazo de 90 dias após a instalação do TAD”. Compreende-se, pois, o alcance da declaração. O procedimento conducente a colocar em funcionamento o TAD é, nos termos da lei, complexo e bem moroso. Eis os seus momentos essenciais: a designação dos membros do Conselho de Arbitragem desportiva (feito); o estabelecimento da lista dos 40 árbitros (feito); a eleição do presidente do TAD (feito); a eleição do vice presidente do TAD (feito); a constituição do Conselho Directivo (quase feito); a designação do secretário-geral (falta?); a designação do secretariado (em falta); a determinação da sede (feito); a aprovação dos regulamentos de processo e de custas processuais no âmbito da arbitragem voluntária, bem como dos serviços de mediação e consulta (falta); a aprovação da tabela de vencimentos do pessoal do TAD (falta).

5. Deste “check-up” resulta à evidência que no momento em que se dá por instalado o TAD, este não se encontra munido de todos os instrumentos, logísticos, humanos e normativos, para entrar em pleno funcionamento. Sufrago o entendimento de que não é acertado falar em instalação do TAD sem que todo o complexo que o integra – incluindo as normas processuais e outras – se encontre finalizado. Mas, segundo a declaração, “todo o TAD” entra em “vigor”, com consequências ao nível da competência dos tribunais administrativos, a 30 de Setembro.

6. Uma última observação. A lei quando determina um prazo para a sua entrada em vigor, pretende possibilitar aos cidadãos um conhecimento mais aprofundado da lei, de molde a se prepararem para as novas normas. Ora, no quadro em que nos movemos, em que se opera uma verdadeira revolução no sistema vigente de resolução de litígios desportivos de natureza pública, deixando os tribunais administrativos de serem o ponto cardeal do modelo, sendo substituídos pela arbitragem necessária do TAD, essa preparação justifica-se plenamente e deve incluir ainda todas as normas processuais deste novo enquadramento.

7. Há dois tipos de fundamentos para considerar instalado o TAD: os jurídicos e os outros. Eu fico pelos primeiros. josemeirim@gmail.com

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