Do “milagre” à “obra-prima”, a Itália conquistou os cépticos

Antes de o Euro 2016 começar, imperava a desconfiança em torno de uma selecção italiana na qual escasseiam as figuras de nível mundial. Os bons resultados e as exibições convincentes mudaram tudo.

Foto
Os jogadores italianos depois do triunfo sobre a Espanha, que os colocou nos quartos-de-final do Euro 2016 Charles Platiau/Reuters

O reinado da Espanha campeã europeia começara em 2008 e durava há 2920 dias, mas chegou ao fim com uma derrota perante a Itália, nos oitavos-de-final do Euro 2016. O triunfo por 2-0 não merece contestação, tal foi a superioridade dos italianos, que celebraram os golos de Chiellini e Pellè e ainda viram o guarda-redes espanhol De Gea brilhar para evitar um marcador mais desnivelado. Com mais um desempenho superlativo, a equipa orientada por Antonio Conte prolongou o estado de graça que já lhe permitiu ultrapassar a desconfiança.

Agora, vem aí a Alemanha nos quartos-de-final – e uma coisa é garantida: a “squadra azzurra” sente-se imparável. “Vamos enfrentar duas das melhores equipas do mundo em poucos dias”, salientou Chiellini. “Defrontar os campeões do mundo vai ser ainda mais exigente”, concordou Bonucci. “Precisamos de algo super-extraordinário no jogo [com a Alemanha], não apenas extraordinário. A Alemanha está num nível acima de toda a gente”, resumiu Antonio Conte. O discurso do técnico tem o mesmo tom desde o início do torneio: relativizar, baixar as expectativas, para manter toda a gente com os pés assentes na terra.

O próprio Conte dizia, logo após vencer a Espanha: “Não estamos numa era brilhante do futebol italiano, por isso não podemos contar com grandes jogadores. Foi uma batalha para fazer as pessoas perceber isto”. Até certo ponto, o técnico tem razão. Sem um talento como Andrea Pirlo, que vê o Europeu em casa, são escassos os exemplos de futebolistas de classe mundial nos 23 convocados da Itália para o Europeu. E Conte, que antes do início do Euro 2016 se queixara publicamente da falta de jovens talentos no futebol italiano, levou a França nove futebolistas com 30 ou mais anos de idade.

As expectativas eram de tal modo baixas que, em Itália, não se acreditava que esta equipa deixasse marca no Euro 2016. Por isso, o triunfo por 2-0 sobre a Bélgica, na primeira jornada do Grupo E, foi descrito como um “milagre” operado por Antonio Conte. “Em menos de um mês, o técnico construiu um grupo que funciona na perfeição. E agora todos contam com ele para chegar longe”, escrevia, no dia seguinte, o diário desportivo Gazzetta dello Sport.

Seguiu-se uma vitória sobre a Suécia (1-0), que garantiu a presença da Itália nos oitavos-de-final – e permitiu a Conte fazer descansar o “onze” habitual na última jornada, frente à República da Irlanda (derrota por 0-1). Esse repouso foi benéfico para a “squadra azzurra”, que contra a Espanha evidenciou toda a sua frescura física: a equipa correu 117,8km, mais 7,8km do que a “roja”, segundo a UEFA. “Obra-prima”, chamou-lhe a Gazzetta dello Sport. E não foi só correr atrás da bola, porque os italianos construíram várias oportunidades para atirar à baliza espanhola. “Mostrámos a toda a gente que a Itália não é só ‘catenaccio’. Esta equipa joga futebol e somos organizados, tanto no ataque como na defesa. Muitas vezes as pessoas pensam que a Itália só defende, mas isso não é verdade. Não sou um treinador de contra-ataque”, vincou Conte.

Era como se os italianos tivessem algo a provar. Alguns tinham mesmo, especialmente os que estiveram na final do Euro 2012, que a Espanha venceu por 4-0. “Sempre pensei que, antes de a minha carreira internacional terminar, merecia ter a vingança da Espanha, uma equipa que me fez sofrer verdadeiramente”, confessou Chiellini.

Era um trauma que começara ainda em 2008, quando as duas equipas se defrontaram nos quartos-de-final do Europeu: os espanhóis venceram no desempate por penáltis. Quatro anos depois conseguiram a tal goleada e, em 2013, nas meias-finais da Taça das Confederações, voltaram a impor-se nas grandes penalidades. Buffon, que aos 38 anos continua a ser a principal figura da “squadra azzurra”, esteve na baliza nas três ocasiões. E também em Paris, onde, para variar, sorriu no final: “Troquei de camisola com o Iniesta porque foi a primeira vez que lhe ganhei”. Segue-se a Alemanha – e os italianos não querem parar por aqui.

Sugerir correcção
Comentar