Deus, lágrimas e futebol

1. Acostumámo-nos a conviver com três referências que vão surgindo a propósito de tudo, quase tudo ou nada. É a santíssima trindade – para muitos –, foram ou são ainda os três F’s (Fátima, Futebol e Fado) ou ainda o Trio de Ataque ou mesmo os modernos R’s (reduzir, reutilizar e reciclar). E os leitores, por certo, aditarão outros exemplos. Três, parece ser mesmo o número que Deus fez.

Hoje, deu-nos para criar um tríptico circunstancial.

2. Deus.A imprensa deu conta de uma sua nova aparição. Com efeito, reza a história contada que endereçou ao Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol um pedido de “aclaração” a respeito de uma das três decisões — todas no mesmo sentido e com os mesmos fundamentos — que anularam o seu despacho de aceitação e rejeição das listas candidatas aos órgãos sociais da Liga Portuguesa de Futebol Profissional.

O Conselho de Justiça, relembre-se, nos últimos meses (enfatize-se o tempo) decidiu, em suma, que as listas que foram rejeitadas deveriam ter sido admitidas e a que foi admitida tem que ultrapassar algumas irregularidades para poder “ir a jogo”. Ou seja — é a nossa leitura do decidido —, há apenas que marcar a data, hora, local, etc., de uma assembleia eleitoral e votar.

3. Deus tem agora dúvidas e pretende que o Conselho de Justiça o esclareça, sempre imbuído que está — e esteve — de um sentimento profundo de cumprir o decidido.

Deus, contudo, está enganado (sacrilégio!) ou, pelo contrário, conhecendo a lei dos homens, age conscientemente ao seu arrepio, o que tudo visto bem se compreende. Ele é uma divindade e, por isso, está justificado.

Dispõe, com efeito, o artigo 34.º, número 1, do Regimento do Conselho de Justiça, que não há lugar a pedidos de aclaração das suas decisões.

4. Lágrimas.

As sociedades desportivas que integram a Liga, enquanto aguardam um sinal divino, vão-se reunir de manhã na Quinta das Lágrimas. Depois de Fátima — destino já incluído no roteiro —, segue-se um local também carregado de simbolismo. Na verdade, muito devem chorar essas sociedades desportivas. Devem chorar, desde logo, pelos erros cometidos, pelas traições, arranjos e desarranjos, que muitas delas protagonizaram na elaboração e apresentação das listas candidatas ao acto leitoral. Devem chorar pela situação a que chegou a sua organização própria, a Liga Portuguesa de Futebol Profissional. Devem chorar ainda pela incapacidade gritante em encontrar soluções para o momento actual. Devem chorar — e muito — pela culpa própria do estado “a que isto chegou”. E isto é, bem vistas as coisas, a sua vida.

5. O futebol.

O futebol não é o futebol, como se alcançasse, por esta via, uma auto-explicação, que o colocasse fora de tantos outros domínios da realidade social. É fácil imputar ao futebol vícios próprios, dir-se-ia mesmo em regime de exclusividade. Nada de mais errado. Temos a banca, a política e tantos outros domínios da vida. E em todos eles, de uma forma ou de outra, vamos encontrar divindades — de diversas tonalidades —, bem como muita gente a chorar.

josemeirim@gmail.com

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