De Gaulle oferece uma etapa

Pierre Beuffeuil ganhou uma etapa em 1960, porque o pelotão parou para cumprimentar o presidente francês.

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AFP

A 16 de Julho de 1960, um sábado, Colombey-les-Deux-Églises aparece no mapa da Volta a França na ligação entre Besançon e Troyes. O nome da pequena cidade não é estranho aos ciclistas gauleses. Todos sabem que aí vive Charles de Gaulle, no tempo livre que lhe resta fora do Eliseu. É em Colombey-les-Deux-Églises que o General se refugia ao fim-de-semana para estar com a mulher e ouvir as suas adoradas músicas militares. Para os franceses, dentro e fora da corrida, a escolha do dia parece propositada.

Quando o pelotão se aproxima da cidade, espalha-se o rumor de que o Presidente está à porta de casa, lado a lado com mulheres de avental e homens com roupa de trabalho. O director do Tour, Jacques Goddet, pergunta aos polícias que escoltam o pelotão se o que ouviu é mesmo verdade. A acompanhar a corrida desde a partida, os gendarmes nada sabem. De Gaulle, ao fim-de-semana, considerava-se um cidadão particular, sem obrigação de revelar os seus planos a quem quer que fosse.

Goddet não consegue ficar na incerteza. Se o Presidente estivesse na berma da estrada, tinha de saber. Dispensa o comissário Élie Wermelinger das funções na corrida e pede-lhe que vá rastrear o terreno. A margem até à chegada da caravana ao coração de Colombey-les-Deux-Églises ainda é confortável. "Chama-me pelo rádio de corrida e, se o sinal não for suficientemente forte, pede a um polícia que me venha avisar".

O rumor é ouvido no pelotão. Os ciclistas segredam, comentam. O passa-palavra chega a Henry Anglade. De camisola tricolor vestida, está tranquilamente na parte de trás do grupo. Goddet, depois de conversar com o seu co-organizador, Félix Lévitan, pede a opinião do campeão nacional. "Pensas que os corredores achariam inconveniente parar para cumprimentar o general?".

Anglade fica estupefacto. Parar, em pleno decurso da etapa, um pelotão com tantas nacionalidades sem ser a francesa, para apertar a mão de um político que, embora seja reconhecido em toda a Europa, é francês? Parecia altamente improvável. Mas a camisola francesa e o estatuto de campeão nacional pesam mais do que a lógica. Vai a cada um dos líderes, negoceia, alcança um acordo. Depois vai descaindo, avisando uns e outros, pedindo para espalharem palavra. Finalmente, aproxima-se do carro vermelho do director da prova e dá-lhe a boa nova: o Tour pararia para cumprimentar o Presidente.

"Não faria grande diferença à corrida, já que estava numa fase de tréguas, com as saídas para fuga mais ou menos neutralizadas. Não iria mudar os resultados", justificou Goddet depois. À entrada em Colombey, agita os braços no ar, o pelotão abranda e pára junto do jardim da casa de De Gaulle. O sossegado fim-de-semana do General acabava de sofrer uma reviravolta. Apanhado de surpresa, dirige-se ao camisola tricolor, saudando-o. Segue-se o camisola amarela. Lentamente, vai apertando mãos entre os franceses mais entusiásticos.

"Estou muito honrado. Espero não vos ter causado grande inconveniência". Os cumprimentos alongam-se por vários minutos. Os fotógrafos registam o momento. Entre os ciclistas estrangeiros reina a confusão. Os espanhóis pensam tratar-se de um protesto político ou de uma greve convocada à última hora por motivos desconhecidos. Alguns belgas, para quem o Presidente francês não era mais importante do que qualquer político estrangeiro, afastam-se para satisfazer necessidades fisiológicas. Mas falta um ciclista. Também ele não faz ideia do que se está a passar.

Poucos quilómetros antes de Colombey, Pierre Beuffeuil sentiu o aro da sua bicicleta a bater na estrada e parou. Ao ritmo que a corrida seguia, reentrar no pelotão não seria complicado. Espera pelo mecânico da equipa regional Centre-Midi, que muda tranquilamente a roda. Perde uns bons três minutos antes de rumar ao centro da cidade e observar, ao longe, o grupo de ciclistas parado. Sem conhecer o plano de saudação ao herói nacional, o francês vê aí a oportunidade de ouro para tentar a sua sorte.

De cabeça baixa, ignora o pelotão e pedala tão rápido quanto as pernas lhe permitem. Chega isolado a Troyes, festeja efusivamente o seu primeiro triunfo na Grande Boucle e vê o segundo classificado cortar a linha de meta na Avenida Jules Guesde 49 segundos depois.

Quando finalmente pára, Beuffeuil é informado do verdadeiro motivo de paragem do pelotão. Em sua defesa, usa o mais credível dos argumentos: "Sempre votei em De Gaulle". E deixa a promessa de votar no general numas futuras eleições, de modo a agradecer-lhe o momento único que lhe proporcionou.



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