"Conhecendo o Brasil, vão acontecer manifestações durante os Jogos"

O antigo nadador Gustavo Borges, que conquistou quatro medalhas olímpicas, lança um olhar sobre a evolução da modalidade no país e sobre as olimpíadas de 2016: “Vão ser uns Jogos ao jeito brasileiro”.

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João Silva

Gustavo Borges foi daqueles atletas que já sabia o que iria fazer quando a sua vida competitiva acabasse. A sua formação em Economia permitiu-lhe uma transição que não foi demasiado traumática após uma vida desportiva cheia de êxitos, entre medalhas olímpicas e títulos continentais em natação.

O antigo nadador de velocidade passou por Portugal para contar as suas experiências e, em conversa com o PÚBLICO, recordou alguns episódios da sua vida olímpica, como aquele de Barcelona 92 em que o painel do cronómetro não funcionou e que, por pouco, lhe ia custando uma medalha, e falou das suas expectativas para os Jogos Olímpicos do próximo ano no Rio de Janeiro, onde espera ver Michael Phelps a nadar.

O que veio fazer a Portugal?
Vim dar uma palestra que eu chamo atitude de campeão, em que passo uma mensagem da construção de um resultado, ilustrado por histórias olímpicas, historias da minha vida. A recolocação dos atletas é um dos assuntos mais importantes no desporto.

Teve algum problema quando acabou a sua vida desportiva?
Eu fiz uma transição de 2000 para 2004 (terminei em 2004) e já me estruturei fora do desporto. Sou formado em Economia pela Universidade de Michigan e comecei a ganhar experiência de administração ainda enquanto era nadador. A transição custa sempre em termos emocionais, para alguns chega a ser traumática. Tive uma transição bem estruturada. É uma experiência muito prática, tenho a certeza que as histórias que eu contei, alguns também as viveram.

Uma dessas histórias foi, de certeza, aquela final dos 100m em Barcelona…
Sim, contei essa história. Foi a minha primeira medalha olímpica. O painel não funcionava na final. Quando não veio o resultado, tive de ter paciência. Demorou 40 minutos para sair o resultado. Fiquei completamente frustrado, num canto. Não estava a chorar, mas estava quase, a pensar como é que numa competição em que tudo tem de funcionar, tinha de ser logo comigo.

Quando acabou, tinha a noção que ficara bem colocado?
Tinha a noção que estava nas primeiras posições. Sabia que não tinha ganho o ouro, mas sabia que tinha ganho ao Matt Biondi, que estava ao meu lado. Sabia que estava na disputa da medalha. O primeiro resultado que eles soltaram depois do imbróglio foi um quarto lugar. Depois, reviram e fiquei em segundo. Mais meia-hora ficava em primeiro. Ganhou o Alexander Popov, eu fiquei em segundo, o Stéphan Caron, em terceiro, e o Biondi, que era o campeão do mundo e recordista mundial, ficou em quinto.

A natação de velocidade no Brasil não acabou consigo. O Gustavo tem tido herdeiros à altura, como o César Cielo. Qual é o segredo para a natação brasileira ser das melhores do mundo?
Acho que a fórmula para o país ser bom no desporto é que tem de haver volume de participação. Quanto mais pessoas praticam um desporto, mais fácil é construir uma nação desportiva. Há uma tradição brasileira nas provas de velocidade, desde Manuel dos Santos em 1960. Vieram outros depois, temos o César Cielo e outros agora. Isso tem um pouco a ver com o número de pessoas que praticam o desporto dentro do país, podia ser melhor, mas já é bom.

Há um interesse muito grande dos jovens em querer nadar a prova dos 100m. Houve também uma evolução muito grande na preparação dos técnicos, mais preparados para lidar com o talento que surge no Brasil. Com as Olimpíadas, também há uma melhora das infra-estruturas, Se existirem estas três coisas, qualquer desporto vai funcionar. É um investimento que demora e que tem de entrar no DNA das pessoas. Já é difícil haver uma prática desportiva, quanto mais de alto rendimento.

Sair do Brasil e ir para os EUA foi o que fez a diferença na sua carreira?
Sim. Tive a possibilidade de estudar e treinar ao mesmo tempo, e de estar numa estrutura de treino muito competitiva. Na década de 1990, ainda havia muito para evoluir no Brasil. Hoje há mais atletas a terem bons resultados sem saírem do Brasil.

Está ansioso por ver a natação no Rio?
Estou muito optimista com o trabalho do Brasil, com uma expectativa muito grande. Mas ainda falta tanta coisa que vou ter paciência.

Gostava de ver o Michael Phelps no Rio?
Claro, é o maior atleta de todos os tempos. De certeza que vai ao Rio. É um tipo competitivo e ele não está só a treinar para nadar competições locais. Tem nadado bem nos EUA, vai disputar três ou quatro provas, vai ganhar três ou quatro medalhas e deixar o recorde de medalhas ainda mais difícil.

O Rio vai estar preparado para receber estes Jogos Olímpicos?
Acho que vai estar. Vão ser uns Jogos do jeito brasileiro. Não vai ser uma olimpíada luxuosa, não vai ser uma olimpíada que a gente viu na China, vai ser feita com a alegria dos brasileiros e a recepção calorosa e divertida. A infra-estrutura vai ser o suficiente para ter os resultados que a Olimpíada exige, sem luxo, mas com o objectivo de respeitar os valores do olimpismo.

O Mundial de futebol teve contestação popular nas ruas. Pode acontecer o mesmo durante os Jogos?
Penso que sim. É normal que aconteça. Não sei se será na mesma dimensão da Copa. O brasileiro está muito cansado com algumas coisas e a manifestação de rua é sempre válida desde que tenha um sentido claro. Uma olimpíada traz atenção e conhecendo o Brasil, vão acontecer manifestações. O país vai ter de encarar isso com naturalidade.

As finais da natação vão ter um horário bastante tardio. Qual é a sua opinião?
A televisão, a NBC, investe muito nos Jogos. Quando há um pedido tão grande de um investidor, há que respeitar. Sou a favor de mudanças de horários por causa da televisão. Agora, se você me pergunta se 22h é bom para nadar? Não é bom para nada. Mas não vai ser bom para todos. Em termos de recordes, pode haver menos. O melhor horário para nadar seria seis, sete da tarde. Os atletas vão ter de se estruturar para enfrentarem isso, vão ter de treinar e competir a essas horas. Em termos de resultados vai ser ruim. Mas entendo o ponto de vista da televisão. Para atletas que vão nadar muitas vezes, vai ser difícil encontrar alguém que ganhe oito medalhas.

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