Confissão de Armstrong coloca em risco futuro do ciclismo como desporto olímpico

Antigo ciclista pode enfrentar acusações de fraude e perjúrio nos Estados Unidos.

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Armstrong deu uma entrevista de duas horas e meia a Oprah Winfrey AFP/Harpo Studios, inc/George Burns

A admissão de que se dopou durante a carreira é um encontro com a verdade para Lance Armstrong. Mas a confissão do mítico ciclista pode deixá-lo a contas com a justiça americana e coloca mesmo em risco o lugar do ciclismo como modalidade olímpica.

“Podemos dizer: ‘olhem, vocês [ciclismo] têm um problema. Por que não sair [dos Jogos Olímpicos] durante quatro ou oito anos?”, disse à Reuters Dick Pound, membro do Comité Olímpico Internacional (COI) e antigo presidente da Agência Mundial Antidopagem: “E quando pensarem que estão preparados para voltar, veremos se é boa ideia recolocar-vos no programa [olímpico].”

As declarações de Pound surgem depois de terem sido levantadas algumas dúvidas sobre a actuação da União Ciclista Internacional (UCI) no combate ao doping e de se ter sabido que a organização recebeu um donativo de 100 mil dólares de Lance Armstrong, em 2002 – a UCI negou que esse dinheiro tenha servido para esconder testes positivos do ciclista norte-americano.

Dick Pound disse mesmo que a única forma de o ciclismo se tornar “limpo” é saber que já não integra os Jogos Olímpicos e que tem de ganhar o seu lugar de volta.

Além das possíveis implicações no ciclismo – Armstrong era o grande nome das últimas décadas –, o ciclista norte-americano fica agora à mercê da justiça norte-americana.

Os termos exactos da confissão de Armstrong na entrevista a Oprah Winfrey não são ainda conhecidos – o programa só é emitido na quinta-feira à noite nos EUA –, mas até a apresentadora já deu a entender que o ex-ciclista confessou ter recorrido a substâncias dopantes.

“Estou sentada aqui, porque já foi confirmado”, disse Oprah, numa entrevista ao programa matinal da CBS.

A apresentadora tinha um acordo com Armstrong para não revelar pormenores da entrevista realizada em Austin (Texas). No entanto, quando regressou a Chicago já grande parte dos órgãos de comunicação social americanos davam conta da confissão do ex-ciclista.

“As perguntas importantes que toda a gente no mundo inteiro queria ouvir foram feitas e respondidas. Fiquei satisfeita com as respostas”, contou Oprah, que se confessou “atordoada” com algumas das respostas dadas por Armstrong na entrevista de duas horas e meia. “Foi certamente a entrevista mais importante que alguma vez fiz em termos de exposição”, acrescentou Oprah, dizendo que ambos ficaram esgotados. “Ele foi sério e preparou-se para este momento. E no fim, ficámos ambos exaustos.”

No plano pessoal, Armstrong pode vir a enfrentar diversas acusações judiciais nos Estados Unidos. O ciclista, que já foi banido do desporto e perdeu todos os títulos conquistados, já testemunhou, sob juramento, tendo negado sempre o recurso à dopagem.

“Tendo testemunhado sob juramento e negado todas as acusações, a confissão de Armstrong torna relativamente fácil provar acusações de perjúrio e obstrução da justiça”, disse à Reuters Andrew Stoltmann, um advogado de Chicago.

O mesmo advogado acrescentou que os antigos patrocinadores do ciclista podem processá-lo por danos à sua imagem.

A CBS, por outro lado, adiantou que Armstrong estará em conversações para devolver parte do dinheiro dos contribuintes americanos – a US Postal, onde correu durante anos, era a equipa dos correios dos EUA – e para testemunhar com outros envolvidos naquilo que a Agência Antidopagem dos Estados Unidos qualificou como “o mais sofisticado, profissionalizado e bem-sucedido programa de doping alguma vez montado no desporto”.

Outro advogado contactado pela AFP, Brian Socolow, diz que o Estado norte-americano pode reabrir o processo por fraude, arquivado no ano passado.

E Peter Keane, professor do Direito na Universidade de Golden State, acrescenta que o antigo campeão enfrenta grandes riscos. “Falo de dinheiro, de muito dinheiro, mas também de liberdade”, disse este especialista à AFP.

O Estado norte-americano patrocinou a US Postal com 30 milhões de dólares – adianta o Wall Street Journal e, segundo peritos citados pela AFP, o Governo pode tentar recuperar o triplo deste montante.

Brian Socolow, por outro lado, considera provável que Armstrong e o Governo cheguem a um acordo, até porque “não teve muito sucesso em anteriores processos de perjúrio contra desportistas que confessaram o uso de doping”.
 
 

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