Compromissos com autódromo já custaram à Câmara de Portimão 11 milhões de euros

Problemas financeiros impedem o município algarvio de continuar a apoiar a Parkalgar, mas Isilda Gomes defende um maior envolvimento do poder central.

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Le Mans Series em acção no Algarve DR

Foi com enorme expectativa que a Câmara Municipal de Portimão (CMP) recebeu o projecto da Parkalgar, assumindo-o como prioritário para o desenvolvimento da região. Ao nível político, procurou sensibilizar o poder central para as virtudes do empreendimento, contribuindo para o seu reconhecimento como Projecto de Potencial Interesse Nacional (PIN), ainda em 2005. Seguiram-se outros apoios, nomeadamente ao nível logístico e financeiro, destacando-se um contrato de publicidade à marca Portimão estabelecido com o Autódromo Internacional do Algarve (AIA), que já custou aos cofres da autarquia 8,2 milhões de euros. Mas somando a este valor as isenções fiscais, expropriações, aquisição de bilhetes para as provas desportivas e outras prestações de serviços, os compromissos representam, pelo menos, 11 milhões de euros para o município.

Logo no final de 2006, a Assembleia Municipal de Portimão (AMP) aprovou a cedência à Parkalgar dos direitos de superfície de dois terrenos na freguesia da Mexilhoeira Grande, com uma área total de 2318 mil metros quadrados — um dos quais adquirido por 1.350.000 euros —, pelo prazo de 99 anos, no valor global de 1.740.000 euros, para a implementação do parque desportivo. Durante os primeiros 12 anos, a promotora do AIA nada paga à autarquia e, findo esse período de carência (a partir de 2020), passará a desembolsar uma renda anual de 20 mil euros, sem actualização deste valor nos restantes 87 anos da vigência do acordo.

A CMP ficou igualmente encarregada das expropriações necessárias para a construção dos acessos à infra-estrutura, assumindo os respectivos encargos, de aproximadamente 800 mil euros. A Parkalgar ficou também isenta do pagamento das taxas de IMT (Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis) e de IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis) durante dez anos, que representariam uma receita de dois milhões de euros para o município, assim como das taxas de publicidade, urbanização, infra-estruturas e das taxas de licença de construção e de habitabilidade, durante 12 anos. “O interesse público, neste caso, é largamente beneficiado no confronto com os benefícios estimados à Parkalgar”, justificou Manuel da Luz, anterior presidente da CMP, em Novembro de 2006, perante a AMP.

Já no início de 2009, e face às crescentes dificuldades financeiras da Parkalgar, a CMP aumentou a parada, aprovando um contrato-programa para o patrocínio das provas desportivas no circuito algarvio por um período de dez anos, no montante anual de 2.595.000 euros, acrescido de IVA (que totalizaria cerca de 5,5% do orçamento camarário), que seria suportado pela empresa municipal Portimão Urbis (entretanto extinta). E confrontado com críticas e dúvidas de elementos da oposição na AMP, Manuel da Luz sustentou a posição do seu executivo: “Aquilo que está em causa é que, pela primeira vez nesta terra, surge alguém disposto a arriscar um projecto inovador, que não será na área do turismo, nem do imobiliário, que necessita de um apoio de retaguarda que a Câmara estará disponível para conceder em termos de promoção.”

Tribunal de Contas reprova
Quem não ficou nada convencido foi o Tribunal de Contas (TC), que levantou dúvidas quanto aos valores envolvidos e à duração do contrato-programa, que extravasava o mandato autárquico. A CMP teve de recuar, mas, para o actual elenco autárquico, liderado pela socialista Isilda Gomes, este “chumbo” acabou por ser “um mal que veio por bem”.

“Se não tivesse havido o chumbo do Tribunal de Contas teríamos de cumprir com esta obrigação, mas seria uma dificuldade acrescida. Acabou por nos ajudar”, salientou ao PÚBLICO a presidente da CMP, referindo-se à grave crise financeira que atravessa um dos municípios mais endividados do país. Em Julho deste ano, o executivo aprovou um pedido de empréstimo de 141 milhões de euros para o pagamento de dívidas em atraso, no âmbito do Fundo de Apoio Municipal (FAM), criado pelo Governo para ajudar as autarquias em dificuldades. Na lista de credores, encontra-se a Parkalgar.

No total, os contratos estabelecidos com a promotora do AIA, entre 2009 e 2012 (altura em que cessaram face ao agravamento da situação financeira da autarquia), resultaram num encargo de 8.285.390,84 euros para a CMP, até ao momento, segundo informação recolhida junto da edilidade. Desta verba, que ainda não está totalmente liquidada, quase dois milhões de euros estão relacionados com juros de mora.

As ligações entre a CMP e a Parkalgar têm motivado críticas a muitos elementos da oposição portimonense. “Este autódromo, acarinhado como um investimento de ouro, que daria empregos às centenas e colocaria Portimão na ribalta, veio a revelar-se uma desilusão”, vincou ao PÚBLICO Carlos Bicheiro, ex-membro da AMP e vice-presidente da secção local do PSD, lamentando os “milhões de euros públicos” investidos pela autarquia liderada pelo PS desde 1974.

Um balanço negativo faz também o vereador da CDU na CMP, Nélson Freitas. “A Parkalgar, sem gastar nada, conseguiu terreno, alvará, acessos e isenções, tudo suportado pela autarquia. Diria que foi uma parceria público-privada em que a Câmara entrou com os deveres e não tem direito nenhum”, apontou: “É um projecto megalómano e não se nota que o equipamento tenha trazido proveitos para a cidade”.

Uma opinião partilhada por João Vasconcelos, vereador e deputado do Bloco de Esquerda. “Face ao prometido, nomeadamente ao nível da criação de postos de trabalho, os resultados foram ridículos”, referiu, considerando que o equipamento “está actualmente reduzido à irrelevância” no contexto de Portimão.

Também o vereador José Caçorino, eleito pelo PP, considera que os pressupostos iniciais, que deixaram a população do município entusiasmada com o projecto, acabaram completamente gorados. “Acompanhei o processo desde o seu início e posso dizer que o que atraiu as pessoas na altura foi a possibilidade de se criar ali um parque tecnológico, que seria o embrião de um cluster automóvel nesta região”, explicou, considerando que a CMP não deve voltar a envolver-se financeiramente com o AIA.

A presidente da autarquia concorda, mas quer continuar a apoiar a infra-estrutura em outras vertentes, nomeadamente atraindo investidores privados que possam associar-se à Parkalgar. “Neste momento, o contributo da CMP reflecte-se apenas ao nível da divulgação e captação de eventuais interessados. Quanto ao resto, a nível financeiro é impossível. Não temos condições para dar nada”, garante Isilda Gomes, defendendo, por outro lado, um maior envolvimento do poder central com o AIA.

“Temos aqui um equipamento de nível mundial e tenho pena que o poder central não tenha olhado para ele com olhos de ver. Só o fizeram no início, mas não em termos da dinamização da sua actividade. Houve apoios, mas os compromissos não se cumpriram integralmente. Neste momento, aquilo que eu registo é que temos um privado a lutar quase sozinho”, lamentou a autarca, que continua a defender que o autódromo foi “um bom investimento” para Portimão.

“O município é hoje conhecido mundialmente também muito à custa do AIA. A partir do momento em que o Governo central decida investir e trazer para aqui uma prova de Fórmula 1, acredito que o autódromo será relançado, assim como o Algarve. Não seria dinheiro deitado ao lixo, antes pelo contrário, teria retorno económico. Mas admito que este ainda não seja o momento adequado, face a outras prioridades”, concluiu.

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